ado, Jaguar.

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— Você não vai se livrar de mim tão rápido... — disse e eu pude notar o ódio em sua voz. Eu descia as escadas correndo e, não importava em qual degrau ela estava, sua voz ecoava e eu podia ouvir em qualquer lugar. Eu só precisava descer três lances, não iria demorar tanto mas eu estava tão cansada e com dor que parecia muito mais do que só três lances. — Você não acha que é mais legal no escuro?

— Camila, não! — gritei para ela me apressando mais ainda enquanto descia.

Como se fosse adiantar alguma coisa. Camila fazia as coisas porque ela queria e não dava para mudar suas ideias, e eu tinha uma vaga sensação do que ela iria fazer. Ela bateu palma, que ecoou para variar e a luz automática que eu tinha acendido se apagou, eu sabia que ela tinha feito isso com todas as outras da escada. Meu Deus, ela não cansava e não me deixava em paz. Eu não via mais os degraus e conseguia ter uma referência de onde estavam as portas para o hall porque tinha um adesivo com o número. Eu estava em frente a porta do 9° andar, restavam mais dois lances no escuro, eu estava ferrada demais mas não parava de descer. Tropecei algumas boas vezes e tinha virado o pé umas quatro vezes, minha dor só aumentava mais e eu sabia que meu sangue ainda escorria na testa.

— Podemos cantar... — eu ouvia Camila e seus saltos. Batendo devagar em cada degrau atrás de mim. Parecia que quanto mais eu corria mais ela se aproximava.

Eu não queria cantar, eu queria me livrar dela. Queria chegar em casa e ligar para minha mãe, queria brigar com a Dinah ou só abraçar ela naquele momento, não sabia exatamente se o que eu sentia era amizade ou ódio por ela. Descia aos tropeços e virando o pé, agarrando o corrimão no meu lado esquerdo o mais forte que eu podia, ouvindo Camila cantar. Era Tiptoe Through The Tulips novamente, aquela parecia ser a preferida dela, e cada vez que ela cantava um trecho o meu corpo esquentava um pouco mais me deixando mais suada. Minha vontade, um pouco louca eu sei, era de descer os andares que faltavam me jogando na escada, eu podia me machucar demais mas eu já estava toda quebrada, pensando assim o que seriam mais alguns arranhões? Definitivamente não seria nada demais para mim. Só que eu não aguentava mais sentir dor e estava começando a esquecer o que era sentir meus pés, eu nem tinha ideia do quanto eu estava correndo e nem se alguma vez na vida já tinha corrido daquela maneira.

Eu só desejava chegar logo em casa e me livrar daquele demônio. Não fazia a mínima ideia de como iria fazê-la parar de me perseguir porque Camila particularmente parecia gostar e se divertir com aquilo. E eu também não sabia o que diria para Dinah quando voltasse para casa. 8° andar. Só mais um lance, pés, por favor, aguentem mais um pouco, ouvidos também. Eu queria gritar até não ter mais nenhuma voz, queria colocar todo o meu medo para fora naquele momento, queria afastar aquela sensação incômoda e quente que tomava conta de mim a cada instante, queria muito tomar um banho, afinal tudo se resolve com um bom banho, eu ia limpar toda essa sujeira, todo esse sangue e suor que tinha em mim. Eu poderia deixar um rastro e se cansaço fosse visível esse rastro seria ainda maior. Camila aumentava seu tom e eu não conseguia enxergar nada, eu me batia no corrimão as vezes e com isso já estava com a minha cintura toda dolorida.

— Aguenta só mais um pouquinho, Lauren... — eu estava falando comigo mesma de novo, isso era muito sério agora.

Pude ouvir a Camila gargalhar e sua risada intensa arrepiou minha espinha. Cheguei a conclusão de que preferia vê-la do que não fazer ideia de onde ela estava, eu me sentia bem mais segura podendo olhar para os seus olhos, marrons ou vermelhos, tanto faz, do que não tento a mínima noção se ela estava perto ou longe. Sua voz não era referência, já que as vezes parecia estar dentro da minha cabeça e às vezes eu a ouvia mais distante do que realmente estava, era estranho, porém tudo com ela não era nem um pouco normal. Eu finalmente via a porta do meu andar e aquilo me trouxe um alívio inexplicável. Me aproximei da porta e a luz voltou, mas ela era bem fraca e amarela, não me assustei quando vi Camila encostada nela de braços cruzados. Eu sabia que estava muito ferrada ali. Ela não parecia nada contente e eu podia notar o seu corpo rígido e seu semblante sério, eu estava realmente e totalmente ferrada, fora que eu não entendia muito bem como que ela conseguia se materializar na minha frente sem mais nem menos. Aquilo era demais para que eu tentasse bolar uma explicação, acreditava que como um demônio ela conseguia fazer tais coisas com mais facilidade e que se materializar fosse fichinha perto do todo que ela era capaz, não queria ver esse todo, só acreditava que ela era capaz de muito e aquilo já estava ótimo para mim.

— Você me subestima demais... — ela disse e eu notava o costumeiro brilho vermelho aparecendo aos poucos. Eu realmente não sabia o que responder, nem sabia direito no que tinha pensando quando sai correndo, só tinha visto uma chance e arrisquei. — Eu só queria brincar.

— Eu não quero brincar com você, você tem que entender isso, Camila! Eu cansei de todo esse jogo... Eu quero ir pra casa! — falei elevando o meu tom de voz, eu estava cansada, com raiva, com dor e certamente não tinha mais nada a perder.

— Jaguar? — eu consegui ouvir do outro lado da porta. Era Dinah. Eu não sabia que ia ficar tão feliz em ouvir a voz dela.

Camila não disse nada e eu não sei porque não achei aquilo estranho. Ela continuava de braços cruzados e com o seu ar superior sempre presente, a luz estava ficando mais fraca e eu pude notar o pequeno sorriso brincalhão surgindo nos lábios daquele demônio. Ela estava planejando alguma coisa e eu não estava com medo, ao contrário, alguma coisa em mim estava me dizendo para confiar nela por um segundo, o que era simplesmente insano e superava qualquer limite da loucura que podia existir no mundo. Minha parte cética não tinha desistido tão fácil, graças aos céus, porque o resto de mim parecia de certa maneira entregue a ela. Ela colocou o indicador aos lábios me pedindo para ficar quieta e eu sabia que teria que obedecer, já tinha feito escolhas horríveis de mais e todo o meu corpo cansado e dolorido era prova daquilo. Eu a encarei e ela me olhava de volta, transformando seus olhos cor de chocolate em um vermelho vivo. Devagar ela foi se afastando da porta e se aproximando de mim, passos lentos e calculados. Ela estava parada na minha frente e eu não tinha tido a coragem de me mover, nem um passo para trás, para o lado ou para a frente, estava parada só a encarando, sem saber direito o que ela ia fazer. E foi quando ela me tocou, segurou o meu queixo e olhou para os meus olhos. Eu me senti queimar, como se tudo em mim fosse feito de fogo. Senti meus olhos arderem, minha respiração ofegante e cada parte minha, mesmo as mais pequenas, emanavam o calor que vinha do seu toque.

— Agora você pode ir. — ela me disse num sussurro enquanto se afastava, parando de me tocar. Eu não sabia mais se realmente queria ir. Por algum motivo eu queria mais do seu toque, eu queria mais daquele calor absurdo, queria estar em contato com a Camila de novo, o que era simplesmente maluco para mim. Ela me encarou novamente quando viu que eu não me moveria e sorriu, trazendo de volta o seu lado sádico e cruel.

E eu sorri de volta, me sentindo incrivelmente renovada e muito, muito quente.

O ritual do elevadorOnde histórias criam vida. Descubra agora