cuid

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Eu corri o máximo que o meu fôlego me permitia, sem olhar para trás. Eu não sabia se a Camila ainda continuava na sua pose estranha ou se vinha atrás de mim, não sabia e não queria saber. Eu estava assustada demais para isso. As luzes continuavam piscando loucamente acima de mim e eu ainda me sentia quente. Eu estava pingando e não sabia exatamente se era suor ou sangue, ou os dois, eu só pingava, corria e não olhava para trás.

— Você não quer brincar? Nós podemos jogar um jogo... — eu podia ouvir a voz da Camila distante, sabia que ela estava sendo sarcástica, eu notava isso no seu tom de voz. Eu não respondi e não me virei. A porta da escada estava tão perto e eu senti alívio quando segurei a maçaneta. — Você acha que vai embora tão fácil assim?

Camila deu a sua gargalhada e eu fui empurrada para a trás, eu tinha voltado a metade do corredor. Aquilo não podia estar acontecendo, eu queria ir embora, eu tinha que conseguir ir embora. Corri de novo até a porta, eu não ia desistir tão fácil. Segurei na maçaneta e novamente fui empurrada para trás. Aquilo era alguma brincadeira? A risada histérica da Camila foi o suficiente para que eu soubesse que sim, ela estava brincando comigo e achava aquilo incrivelmente divertido. Eu não sabia o que ela queria de mim e eu não queria perguntar, eu não queria ver aquela garota ou que quer que ela fosse nunca mais na minha frente. Eu não podia desistir, corri novamente e segurei na maçaneta pela terceira vez, fui empurrada do mesmo jeito, tentei abrir a porta com a cintura e tudo o que eu ganhava era cansaço, dor e um empurrão para trás. Cada vez mais forte e que me abalava, me enfraquecia e na minha última tentativa eu caí de joelhos. Mais risadas, ela estava gostando do showzinho, ela estava gostando de me ver tentar, ou melhor, o que ela realmente gostava era de me ver falhar.

— O que você quer? — disse, eu faria qualquer coisa para sair dali. Qualquer coisa.

— Brincar... — Camila me respondeu e se materializou na minha frente. Como? Ela não estava na frente do elevador?

Seus olhos não estavam vermelhos e seu sorriso parecia quase humano, para algum tipo de demônio, porque naquele momento eu havia decidido defini-la assim, ela se saia bem no quesito se camuflar. Se ela não fosse tão temperamental e se eu talvez eu tivesse trombado com ela na rua, poderíamos até ser amigas. Fora que ela era linda, nada como os espíritos malignos de filmes de terror que são deformados e horrorosos, Camila era linda e emanava certa luz, não acredito que uma luminescência que mostrava o bem, mas uma bela luz recheada com o mais puro mal que existia no mundo. Falando daquele jeito, sobre brincadeiras e até mesmo enquanto estava cantando eu pude notar o ar infantil que ela tinha, fora que o seu próprio temperamento mostrava o quão mimada ela era. Ela tinha aquele jeito soberbo de pessoa que sempre tem o que quer e quando não tem faz chantagens até conseguir. Prestando muita atenção nos seus pequenos detalhes você podia notar que ela tinha essa fraqueza, era mimada, meticulosa e sensível mas também era perversa, impiedosa e, às vezes, até desumana, sem empatia alguma. De certa forma, e é duro de admitir, aquele jeito da Camila me recordava muito de como Dinah vinha sido desde o episódio com a Ally e aquilo não me passava conforto nenhum.

— Do que quer brincar? — perguntei não aceitando outra coisa a não ser jogar seu jogo.

— Você vai jogar comigo? — ela disse com a sua costumeira risada e deixou que as luzes voltassem a brilhar normalmente, em seus olhos eu pude ver o vermelho começar a cintilar, como um brilho sempre presente.

— Vou.

— Não quer saber o que você ganha com isso? — perguntou levantando uma sobrancelha e fazendo careta quando percebeu a provável bagunça que era o meu rosto. Sangue, suor e lágrimas.

— Não se isso não for me levar para casa... — eu permanecia de joelhos, ofegante, observando o demônio a minha frente.

— Você pode sair pela porta se ganhar. — disse e sentou-se no chão. Ela tirou seus sapatos e os jogou na parede fazendo um barulho grave e ecoante. Tudo com ela transmitia algum eco.

— E assim ir para casa?

— E assim ir embora desse andar... — me respondeu e eu devo admitir que achava aquilo fácil demais. Simplesmente isso? Um jogo?

— Não quero...

— Mas você disse que ia! — seus olhos trocaram de cor mais rápido do que eu pude processar e brilhavam intensamente. — Você disse que ia jogar!

Ela começou a gritar e ficou de pé rapidamente. Num piscar de olhos ela levitava, estava suspensa alguns palmos no ar e eu não fazia ideia de que algo ou alguém era capaz de fazer aquilo de verdade. Fiquei em pé e tampei os meus ouvidos, não tinha me acostumado com os seus gritos, era tão agudo e irritante, eu só queria fazer ela calar a boca o mais rápido possível. Com cuidado fui passando por ela, tinha que haver um jeito de sair dali, ela não tinha tanto poder para me manter presa, as luzes voltaram a piscar e eu sabia que se continuasse daquele jeito elas explodiram e eu teria que contar com a boa vontade de Camila para tê-las. Pensei rápido: como abrir uma porta que magicamente está "programada" para te empurrar até o meio do corredor? E a resposta era até fácil: Camila.

— EU JOGO COM VOCÊ... — gritei o mais alto que eu pude, esperando sair mais alto do que o seu clamor agudo. E eu consegui sua atenção, ela ainda levitava mas não gritava mais. — Eu jogo com você.... Se você abrir a porta antes.

Ela cruzou os braços e sorriu de lado, seu lado maldoso estava de volta e eu acho que ela capitava o que eu queria fazer, mesmo assim nada iria me impedir de tentar.

— A porta da escada? — perguntou encostando seus pés novamente no chão, o brilho vermelho desaparecendo devolvendo seus olhos marrons quase humanos. — Está aberta. Nós vamos jogar o meu preferido.

Olhei para a porta e tive um vislumbre das escadas parcialmente iluminadas. Foi nesse momento que eu decidi fazer a minha última pior escolha: correr. Eu corri para a escada e ouvi Camila gritando comigo, ela queria que eu voltasse, ela não acreditava que tinha sido enganada, algo em mim naquela hora entendeu que, na verdade, ela queria sim que eu tivesse corrido para a escada, eu só não sabia direito o porque. Agora eu sei e tudo o que escolheria, sem nem pensar duas vezes, teria sido ficar e jogar o jogo idiota de Camila, mas não, eu como uma boa pessoa feita de más ideias só continuei correndo escada abaixo, eram só três andares e eu chegava na minha casa. Foi quando eu ouvi a pesada porta que dava acesso as escadas bater. E sabia que eu tinha companhia nessa minha corrida.

Camila.

O ritual do elevadorOnde histórias criam vida. Descubra agora