Wings - Vidas Que Não São Suas

Capítulo ☆^☆ 1

ㅡ Quem é você? ㅡ Na escuridão, ouço uma voz infantil perguntar com um tom choroso.

Não vejo nada além de uma criança. Minha intenção não é me aproximar, mas não há para onde ir. Tudo ao meu redor está escuro, como se estivesse presa em um vazio.

Encaro o garoto, cujo corpo está coberto por um manto escuro. O menino esconde os olhos com as duas mãos enquanto enxuga as lágrimas. Aquele barulho da chuva, que não está presente, é quase como uma música de fundo para os soluços que ecoam na escuridão. O céu é como um caminho nebuloso sem fim, assim como todo aquele lugar.

ㅡ Eu vou achar você! ㅡ exclamou, como uma ameaça.

Abro os olhos, fechados até então, mesmo eu não percebendo.

"Um sonho?", penso assustada, observando o ambiente ao meu redor.

A chuva batia na janela, escorrendo pela vidraça do quarto. A chuva é real. Quando a lembrança do sonho retornou à minha mente, senti um calafrio percorrer minha espinha e um sentimento de angústia surgir no meu interior.

É apenas um sonho, e como os demais, também será esquecido.

☆^☆

ㅡ O quê? ㅡ pergunta, Dáfine, surpresa.

A garota de pele escura, com cabelo em várias tranças que frequentemente mudavam de cor, desta vez com tranças rosadas, exalava personalidade quando se aproximava da minha carteira.

ㅡ Akira ㅡ disse, guardando o material ao meu lado. ㅡ Como é possível você chegar cedo, e na chuva?

ㅡ Milagres acontecem, não é? ㅡ respondo com um sorriso sem jeito. ㅡ Bora lá fora, ainda temos tempo.

Convido e ela aceita.

A escola era enorme, funcionava como internato para quem era de fora, com alojamentos no prédio adjacente. As salas de aula em sua maioria ficavam no segundo e terceiro andar. O gramado na área descoberta era sempre lotado de gente, mas estava tudo encharcado pela chuva forte. Hoje, contraditoriamente, a escola parecia um deserto.

Justo no dia em que cheguei cedo, acabamos dando voltas e voltas pelo local, conversando sobre banalidades alheias. O ambiente inteiro estava impregnado com o cheiro gostoso de terra molhada.

ㅡ Eu só queria estar em casa dormindo ㅡ lamentou Dáfine, encarando a área descoberta, sem poder embarcar no quase rio de água que o pequeno córrego havia criado.

ㅡ Acordei mais cedo do que devia hoje, se eu tivesse passado direto como sempre ㅡ falei, lembrando que o despertador não havia nem sequer tocado. ㅡ Acho que eu nem iria vir.

ㅡ Você não faria isso comigo! ㅡ ela exclamou, segurando meu braço com força, fixando suas unhas como uma ameaça delicada e explícita.

ㅡ Não, não faria ㅡ respondo, dando palminhas calmas na mão da garota, acho que ela arrancaria meu braço se eu dissesse a verdade.

Éramos amigas há tanto tempo, mas ainda assim, às vezes, tenho medo do jeito agressivo dela, principalmente comigo. Acho que Dáfine não tem limites, mas estou acostumada com isso, é apenas o seu jeitinho.

Normalmente, não sei como é a escola cedo, mas hoje ela parece vazia, talvez devido ao temporal. Exceto por esse fato, nada parecia anormal. Vasculho o ambiente, como um hábito inapropriado. A desconfiança sempre me envolve nesses momentos, e continuo angustiada com aquele sonho esquisito que me deixou assustada demais para considerar ficar em casa sozinha.

Meus olhos param e fitam um garoto de moletom com capuz parado na chuva. Sua presença carregava uma energia sombria, eu sentia isso. Ainda assim, aquele menino era tão familiar... é estranho não me lembrar dele.