Capítulo ☆^☆ 8

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Gradualmente, me habituo a essa nova rotina. Não sinto mais o cansaço que me consumia antes, e os demônios, embora incomodem, realmente são simples de ignorar. Essas criaturas não costumam se mostrar; sempre escondidas embaixo de algum móvel ou na sombra de algum objeto.

Contudo, é difícil ignorá-los quando estão agarrados em algum ser humano. Suas formas grotescas são destacadas e realmente parecem que estão se alimentando do seu alvo. Não consigo fazer nada em relação a isso, mas esse problema já existia muito antes de eu me envolver.

Chego em casa tarde, sobrecarregada com o acúmulo de tarefas escolares. O final de semana se aproxima, e ainda não encontrei uma desculpa convincente para me encontrar com Abel, o próximo da lista de Lycoris destinado a morrer neste final de semana.

Não... ele não morrerá.

Entro no quarto e me deparo com Maya, sentada na cadeira próxima à escrivaninha que uso para estudar. Ela aguardava minha chegada.

ㅡ Vamos conversar ㅡ disse com sua expressão mais séria, quase como uma ordem, e eu assenti ansiosamente pela pauta.

Aos poucos, começo a identificar as diferenças entre a energia da guardiã e a do ceifador. Por mais que exiba uma postura impecável e amedrontadora, a energia da guardiã transmitia um ar acolhedor em comparação com a de Lycoris.

Me aproximo e sento na borda da cama, de modo que fique de frente para a guardiã, aguardando o que ela tem a dizer. Ansiava por essa conversa, minha mente já supôs tudo o que conseguiria imaginar, desde um relacionamento mal resolvido até uma intriga natural entre guardiões e ceifadores.

ㅡ Não é simples o que tenho a dizer... ㅡ A guardiã começa, e eu me aconchego na cama, atenta à sua fala.

ㅡ Se eu tivesse escolha, não escolheria interferir em algo tão grande como o ciclo da vida ㅡ comento, deixando minha opinião. ㅡ Me sinto errada fazendo isso, não sei por que, mas acho que você também se sente da mesma forma.

A guardiã desperta um pequeno sorriso e assente com minha previsão.

ㅡ Não está errada, mas também não está totalmente certa... é algo mais complexo.

ㅡ Complexo quanto?

A guardiã não responde, continua hesitante em compartilhar comigo o que quer que esteja escondendo. Não a culpo. Afinal, não faço parte deste mundo, mas é fato que estou nele e mesmo que a informação não seja necessariamente útil, quero entender completamente o que estou fazendo.

ㅡ Você não tem obrigação de me contar nada. ㅡ A encaro, percebo a dificuldade em abordar esse assunto. ㅡ Só estou viva porque você me mantém viva, mas sabe... Eu poderia ajudar mais se soubesse o que estou fazendo de verdade.

ㅡ Salvando vidas? ㅡ pergunta a guardiã, um pouco irônica. Essa expressão não combinava com ela, destoava de sua serenidade.

ㅡ Tento, mas não acho que consiga fazer isso por muito tempo ㅡ informo a guardiã, uma angústia crescendo em meu peito. ㅡ Dizer que vai enfrentar a morte e se deparar com ela, não é nada fácil. Ver pessoas morrendo, mesmo afirmando que não deixaria isso acontecer...

Odeio isso.

Ele não deveria ter levado você para o hospital ㅡ murmura a guardiã. ㅡ Sei que aquela morte também mexeu com você... tanto eu quanto ele sabemos. Inclusive, ele deve ter feito isso de propósito, não era nem o trabalho dele, Lycoris não lida com esses tipos de mortes.

ㅡ Como assim? ㅡ pergunto sem saber se devo ou não acreditar, mesmo incerta, se realmente ele fez aquilo propositalmente.

ㅡ É sobre isso. O trabalho dele é literalmente com mortes evitáveis. ㅡ Semicerro os olhos, tentando entender. Lycoris sempre me fala que salvar uma pessoa não é errado, o problema é encontrar o ceifador antes de salvar alguém; isso é o que me torna uma trapaceira. Abre um leque de possibilidades que o próprio destino não previu. ㅡ Então, por que ele te levaria ao hospital?

Wings - Vidas Que Não São SuasOnde histórias criam vida. Descubra agora