VIII. Garold

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Desde então, todos os dias na Casa do Voador pareceram infinitos. Dia após dia, noite após noite, tudo o que faziam era pela Ordem de Sainlorth, a ordem dos voadores. Ecco ficava feliz por não ser um voador, mas sabia que era apenas uma questão de tempo até que o primeiro teste chegasse. Um dos poucos benefícios que tinha era comer todo dia.

Durante certa ocasião, quando levaram os aprendizes à vila das Flechas, Yearnan encontrou Avyin caída num beco. Ecco a viu, estava pálida como uma entleò. A partir daquele dia, Yearnan se ofereceu para alimentar os cavalos para que, toda vez que saísse ao estábulo, pudesse encontrar Avyin e dar um pouco a ela. Pelo menos assim, saberia que ela estava bem.

Avyin, por tanto ir à Casa do Voador, acabou sendo acolhida por um casal que trabalhava nos serviços diários do castelo. Desse modo, Yearnan poderia ver sua irmã e ambos teriam a filha que tanto sonhavam.

Os dias seguintes foram cheios de treinamentos de habilidades e aprendizado de coisas importantes. Ecco decorara seus afazeres: aula de combate corpo a corpo, com espadas, machados e tiro ao alvo. Depois de quase duas semanas aprendendo os fundamentos do combate, sete aprendizes já haviam acidentalmente morrido, e muitos tinham ferimentos leves ou graves.

Ecco também tinha aprendido "os fundamentos do esfregão e do convés", lhe disseram. Tinham que lavar os navantes de Chimnevir sempre que aportavam no porto subterrâneo da ilha do Caçador.

Em compensação, tinha feito bons amigos até então: Nthaír Lièspe, o garoto curioso; Lophan, o ersni sabe-tudo; Zäja Sencellè, um rapazinho estranho e Arknel, o balute, além de Yearnan e Garold. Por três ou quatro vezes subiram ao topo da torre menor para beber cimélia e aproveitar o fim dos dias antes do entardecer.

Certo dia, próximo ao ocaso, subiram apressados após lavarem dois conveses. Lièspe colhera as cimélias durante a manhã e as espremera para encher duas garrafas, o suficiente para todos. Ecco observou o céu tingido com o laranja do eda. Acima deles, Erall os cobria, formando uma espécie de proteção contra os monstros que viviam entre as estrelas.

O lugar estava do jeito de sempre. O chão de pedra, as ameias em círculo cobertas de musgo, uns barris velhos e uns caixotes. Próximo ao meio, no chão, o alçapão de madeira por onde passavam para subir.

– Finalmente o primeiro teste! – Disse Garold.

– Sim. – Concordou Lophan. – Mal vejo a hora.

– Para onde vamos? – Perguntou Yearnan.

Nthaír caminhava entre eles, enchendo os copos com cimelim, o suco de cimélia.

– Não disseram. – Respondeu Garold. – Mas tenho certeza que vamos a Turale.

– Espero que seja Esparion, a Cidade dos Icanes. – Disse Ecco, em seus devaneios.

– É melhor que te mandem para Deh, a Cidade dos Bastardos. – Zombou Garold, rindo entre um gole e outro.

Ao contrário do ele esperava, ninguém riu.

– Vai pro inferno, seu desgraçado! – Vociferou Ecco de volta. Todos o apoiaram. Garold não saiu por baixo.

– Vai você, seu orfãozinho de...

Yearnan não esperou o fim da frase para saltar sobre ele com um soco na cara dele. Garold cambaleou, mas logo revidou, arremessando o copo contra ele. A briga se generalizou, mas Lophan e Arphel logo tentaram puxar os dois, separando-os.

– Parem de brigar! – Gritou Lophan.

Garold o ignorou, esmurrando Yearnan, que caiu no chão quase desacordado. Ecco aproveitou o momento para substituir o amigo, investindo em fúria contra a face de Garold, que cambaleou e arfou. Sua boca sangrava e perdera o equilíbrio. Lophan estava atrás dele, empurrando-o. O pior, porém, ainda não havia acontecido.

Quando Garold pareceu recobrar os sentidos, Ecco agiu por impulso, empurrando-o. Lophan, atrás dele, já encostado nas ameias, precipitou-se sobre elas.

– NÃO! – Gritou Arknel, o primeiro a vê-lo cair.

Todos correram para as ameias. À beira de uma janela, Lohan se segurava com as duas mãos, resistindo.

– Socorro! – Implorou. – Me ajudem!

Não é necessário dizer que logo o ajudaram a entrar pela janela onde ele estava. Garold, entretanto, não desceu. Continuou no topo, escolhendo não dar o braço a torcer. Bebeu o resto de cimelim e esperou que saíssem dali para então descer.

O céu já estava escuro quando chegou ao próprio quarto e encontrou o senhor Helgrine Sussini sentado em sua cadeira e um de seus guardas consigo, de pé ao lado dele. Helgrine vestia-se como um nobre, coberto com uma capa turquesa. O homem usava uma armadura prateada com detalhes mais escuros e um capacete com viseira, cobrindo o rosto completamente. Sobre os ombros, um manto azul escuro, as cores e detalhes dos voadores. Surpreso, Garold perguntou.

– Senhor Sussini. Como posso servi-lo?

– É de meu conhecimento – Começou a dizer, devagar, sorrindo. – que haviam alguns amigos brigando. É uma coisa muito feia, amigos brigando, não acha?

Garold se remexeu em seu lugar, claramente nervoso.

– Devemos punir adequadamente aqueles que ofendem seus "amigos". – Continuou dizendo.

– Meu senhor, eu... – Garold foi logo interrompido. Helgrine agora tinha o rosto austero, impaciente, perdendo o sorriso.

– Jereol.

Jereol, o homem de pé, puxou de sua cintura uma adaga reluzente. Garold tentou fugir, mas foi puxado pelo braço antes que escapasse. Tentou gritar, mas sentiu a mão do cavaleiro em sua boca, puxando sua língua. Tentou evitar, mas não conseguia. Estava prensado à parede e logo outro guarda surgiu, ao ouvir os gritos distorcidos. Assim que viu Helgrine, o outro guarda conteve os braços de Garold. Seu desespero multiplicava-se à medida que via a adaga mais próxima de sua boca.

Aquela seria a pior noite de Garold.


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