XIX. Mais Uma Vez na Estrada

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Ecco, mentalmente correu até a porta. Fisicamente, não se mexeu. Ele sabia que havia um chão ali, mas dentro de si tinha medo. Devagar, avançou por etapas, um passo de cada vez. Ao chegar até a porta, arrependeu-se pelo tempo perdido. Correu pelas escadas o mais rápido que pode.

No último andar do torreão, num dos cantos da sala, o homem gordo ameaçava Nthaír com a ponta da flecha no peito dele.

– Espere! – Gritou Ecco. – Não faça isso!

Como se improvisasse a própria fala, o homem gordo falou, quase gaguejando.

– Vocês invadiram a Prisão de Ochantgar e se recusam a ir embora!

– Nós tentamos ir! – Ecco mentiu. – Mas você atirava pedras em nós, precisávamos nos proteger.

Vendo por aquele ponto, as coisas soavam muito diferentes. Receoso, o homem abaixou o arco e estendeu a mão para Nthaír. Usava uma túnica vermelha que ia até o meio das coxas, um cinto ao redor da pança e uma calça de couro escura, da mesma cor das botas. Seu cabelo e a barba mal feita eram grisalhos, mas a pele demonstrava que não era velho.

– Perdoem-me. – Disse, encabulado. – Sou Ian Logga, guardião da Prisão de Ochantgar.

– Ecco. – Apresentou-se, ainda estranhando a súbita mudança no comportamento do homem, que agora parecia mais jovem e brincalhão.

– Pelo visto, você conheceu o pequeno Ochantgar. – Ironizou, com um breve sorriso. – Venha, vamos ao outro torreão. Lá há comida e poderemos conversar com mais calma.

Ecco e Nthaír esperaram que Ian descesse primeiro para então o seguirem.

– Você está bem?

– Sim, não me feriu. E Yearnan?

Ecco desceu as escadas num piscar de olhos para encontrar Ian auxiliando o amigo a ficar de pé, envolvendo-o com um dos braços enquanto segurava a mão dele no próprio ombro. Aos poucos, os quatro saíram ao pátio. O ocaso em breve se aproximaria, trazendo a noite dentro de poucas horas.

– Já repararam neste novo invento do Novo Mundo, as horas? – Perguntou Ian.

Tratava-se de um invento já antigo. O que ele está querendo dizer? pensou Ecco entre seus botões. As horas eram uma coisa já normal na vida dos três desde que tinham cinco ou seis anos e, por isso, Ian soava estúpido e retrógrado. Em uma tentativa de evitar o silêncio, Nthaír murmurou alguma resposta.

– É muito interessante. – Explicou Ian. – Pequenas pecinhas se encaixam e movimentam duas pontas externas que eles chamam de ponteiros, porque indicam algumas marcas ao redor de um círculo conforme o dia passa.

– A sombra do ponteiro. – Nthaír o corrigiu.

– Não! De modo algum. – Contrariou, enquanto tirava do bolso uma chave para destrancar a porta de carvalho. – Confunde-se com o relógio ezraellyano.

– Então como é? – Perguntou Nthaír. Suas mãos inquietas logo se enfiaram nos bolsos da calça.

– São ponteiros móveis, grandes como um icane, pendurados no alto de uma grande torre, num lugar onde muitos possam ver.

– E para que serve? – Ecco intrometeu-se, fingindo surpresa e interesse na conversa do gordo.

– Ora, para dividir os dias. – Ele respondeu. – Assim você sabe a hora de comer, de acordar, a hora do ocaso, quanto tempo falta para alguma coisa.

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