I. O Medo de Yearnan

159 9 23
                                    


Chega de histórias! – Gritou Orann, rindo das caras assustadas ao ouvirem-no bater seu copo na mesa de madeira. Logo todos o acompanharam em descontração.

– A noite está só começando! – Comemorou um homem que estava próximo a eles, estendendo seu copo, a cerveja se esparramando sobre a mesa. O seu companheiro imitou o gesto e então ambos deram um gole profundo. Mal limparam suas bocas e barbas com a manga de suas camisas quando ouviram alguém perguntar.

– Quem consegue beber mais? – Era Orann, desafiando os dois forasteiros. O primeiro riu e se levantou, caminhando até os barris empilhados rentes à parede. Abriu a torneira e encheu o copo até o topo, então entornou o conteúdo garganta adentro. Os aplausos foram suficientes para fazê-lo encher outro copo.

– Eu quero saber quem vai pagar por isso. – Intrometeu-se o senhor Barowells, o taverneiro.

O homem e seu amigo arregalaram os olhos. Não tinham dinheiro, pensou Ecco ao ver suas expressões. O homem correu para a saída, mas alguns clientes o seguraram quando Barowells pediu que o impedissem. Caído, ele se debateu até perceber que já estava bêbado demais para lutar.

Os rapazes riram, comentando asneiras entre si. No dia seguinte não recordariam metade do que disseram. Ecco sorria com preocupações. Estava pensando no que faria no dia seguinte enquanto tomava goles de uma cidra terrível. Tinha combinado com Yearnan acerca de passarem perto do rio. O senhor Othens não se importaria se eles pegassem algumas frutas no seu pomar, desde que não fossem vistos. As servas que ele tinha ficavam sempre em alerta aos sábados, desde que Yearnan caiu ao saltar para um galho que não resistiu há umas semanas. A queda foi feia e o senhor Othens logo apareceu em sua porta, esbravejando os mais horríveis xingamentos que Ecco conhecia.

Três semanas já haviam se passado e os dois não conseguiram mais passar despercebidos. Por esse motivo pretendiam ir numa terça-feira. Quem sabe elas não estivessem desavisadas. Não poderiam ser vistos de forma alguma.

– Aposto que não me vence em uma partida de guerra dos reinos! – Garold interrompeu os pensamentos de Ecco. Era magro como um beco estreito de Forgspeek.

– Aqui não! – O senhor Barowells, além de dono da taverna, era pai de Garold. Inteligente e cheio de vida, mas pouco estudado, passava a maior parte dos seus dias atrás de um balcão, servindo a todos que quisessem beber uma boa cerveja com um pedaço de torta ou pão duro com queijo, exceto pelas manhãs, quando os filhos Gadriel e Garold se tornavam encarregados de servir, cozinhar e limpar as mesas e o chão. – Já fiz demais deixando vocês beberem.

– Dê-me mais um naco de pão, ao menos. – Implorou Yearnan. Ecco percebeu que o senhor Barowells haveria de dar um naco a cada um deles e sorriu com a esperteza do amigo.

– Tomem. – Ele puxou um saco cheio de pães de debaixo do balcão e ergueu para Yearnan. – Tenho pães sobrando hoje. Eu jogaria aos cães, mas não vejo por que não dar a vocês. Agora vão procurar os seus lugares de sempre.

Yearnan, Orann e Ecco arregalaram os olhos, felizes e agradecidos. Agora poderiam comer por três dias. Avyin com certeza se alegraria.

Barowells sentia-se contorcendo de dor e piedade ao ver a tamanha euforia de alguns garotos de rua quando viram os pães. Às vezes até sonhava que ajeitaria um cantinho na própria casa no dia seguinte para acolhê-los, mas lembrava-se da sua condição ao acordar, incapaz de ajudar. Então balançava a cabeça como se tentasse esquecer aquela ideia antes de iniciar sua rotina diária de caçar alguns patos para preparar as tortas de pato assado que todos da cidade faziam questão de elogiar. Mas não esquecia.

O VoadorOnde histórias criam vida. Descubra agora