Capítulo 10 - As sombras que nos habitam

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Fiquei deitada na rede até  anoitecer e o pio da coruja  me tirar daquela melancolia. 

Comi os restos da moqueca fria, fechei a casa e fui dormir.

Sou assim.

Preciso de silêncio  e escuridão  para me equilibrar.

Dormi  direto  até  as quatro  e  trinta.

Não precisava despertador. 

Sempre acordava na mesma hora.

Tomei um banho e coloquei apenas meu vestido preto  de algodão.

Nada conseguiria me fisgar  de dentro de mim mesma.

Estava muito fundo.

Nem Zoe viria me socorrer com suas piadinhas idiotas.

Meu luto era profundo.

Aquelas cinzas eram uma parte de mim que retornaria ao universo.

Uma parte que me pertenceu  por um tempo muito curto, mas que tinha sido pleno durante sua duração.

Passei  uma mensagem para Arthur  dizendo  que estava  pronta e ele confirmou que me esperava no portão.

Todo em couro negro, apenas seus olhos de Heitor me acompanharam e ao alcançar  o capacete de reserva  nossos dedos se tocaram com um breve choque elétrico  que se distribuiu  pelo meu corpo inteiro.

_ Você será  a quinta pessoa a conhecer o Lugar Secreto
Não  pense que isso te dá  o direito de ser seu dono também!

_ Não  brinca comigo garota, por favor, hoje não.  Estou no modo bad boy desde ontem.

Fomos em silêncio até  o lugar, e descemos as rochas.

O céu  estava cinza escuro, e o vento ameaçava  levar tudo consigo.

Meus cabelos e meu vestido  voavam como velas negras.

_ Me dê!

_ Vou ajudar.

_ Cale-se Arthur, este momento é  meu e de Heitor. Depois conversamos.

Abri a caixa dourada e nem precisei fazer nada.

Um redemoinho sugou as cinzas de dentro da caixa e as espalhou em mim como um último  abraço. 

Por onde soprava um pouco  se espalhava  e num último adeus  soprou rumo ao mar.

-Vai pedaço  de mim
Retorna para teu útero
Deixe-me  chorando a saudade
Que este buraco deixou para mim.
Tua lembrança  fica em meu corpo
E em minha alma
Tatuada
Para sempre.

Desabei.

O choro  tomou conta de mim e ali me tornei nada.

O vento parou de soprar naquele instante e o silêncio  só  era quebrado  pela marola  do mar.

Senti dois braços  me buscarem de encontro a um peito que cheirava a Heitor.

_ Nunca, em toda a minha vida, eu vi uma homenagem mais linda que esta. O poder do amor que existiu entre vocês  é  maior que as forças do universo. Até  elas se calaram.

Sentamos nas pedras do píer natural e ficamos  ali, abraçados,  em silêncio.

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