Prólogo

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Recomeços sempre foram complicados para mim. Geralmente eles são consequências de dois possíveis cenários: algo bom aconteceu ou algo ruim, e nesse último caso, você precisa fugir.

De uma forma ou de outra, fugir sempre foi o que eu fiz. Seja por meio de um corte de cabelo ou o desejo de fazer alguns nos pulsos. Eu temo recomeços, entretanto, por dentro, eu almejo que algo bom aconteça. Achei necessário estabelecer isso antes que você, meu caro leitor, fique assustado ou sem desejo de continuar a ler o que escrevo.

Então ali eu estava, recomeçando. Sentada na mesa de um Café e pedindo por mais leite, mesmo que eu odeie misturar as coisas. É um recomeço, certo? Posso ser quem eu quiser, até mesmo quem nunca chegaria perto do que realmente sou.

A realidade é que mudar para uma cidade pequena do interior, com péssima conexão de celular e zero amigos, pode ter sido a pior ou a melhor decisão da minha vida. O que resta é escrever para leitores invisíveis e procurar um lugar para ficar. Cansei dos olhares incomodados com minhas bagagens, sejam elas psicológicas ou as que eu realmente carreguei para cá. Eles parecem não receber muitos forasteiros ou apreciarem longas visitas.

Após alguns minutos esperando, um homem, com olheiras maiores que os próprios olhos, aproximou-se e disse:

"Você é a moça que deseja trabalhar aqui?"

Bom, a única coisa que eu desejo realmente na vida é não estar no lugar que eu costumava chamar de lar, então, sim, talvez eu deseje realmente trabalhar em um Café.

"Sim, você deve ser o gerente, prazer."

O seu silêncio me confirmou que ele deve ter notado meu péssimo jeito de cumprimentar as pessoas e também o quanto a minha ansiedade me impede de encará-las por mais que segundos. Será que minhas chances de recomeço já se arruinariam naquele instante?

Esforcei um sorriso e esperei a quebra do silêncio.

"Prazer, meu nome é Maurício, e você é?"

É, essa seria uma pergunta complicada de responder. Respiro fundo e digo o primeiro nome que vem em minha mente:

"Janeiro... Meu nome é Janeiro."

Puta merda. Eu fui falar o nome mais estranho do planeta Terra. Qual o meu problema?

"Bom, Janeiro" - ele falou, tentando dizer o nome sem parecer muito surpreso - "Irei ser sincero, para te contratar eu preciso de uma recomendação de algum lugar que você tenha trabalhado."

Parece que realmente recomeços não se agradam muito com a minha presença.

Tento explicar a minha situação sem revelar muito. Recordar meu último trabalho me trazia arrepios. Era parte de alguém que fui e a Janeiro seria diferente. Janeiro não teria experiências anteriores.

"Nesse caso, só existe um lugar que pode te contratar nessa cidade e não é o meu estabelecimento, eu sinto muito"

"Qual lugar?" não custa perguntar, né?

"O Bar 21, no começo da estrada..." - ele parecia se arrepender quase que no mesmo instante do que disse - "Mas, olha, você parece ser uma garota decente, então tome cuidado, não se envolva com esse pessoal."

"Bom, Maurício, né?" - ele concorda com a cabeça e me espera continuar - "Acredito que você não está me dando muita escolha, mas obrigada pela oportunidade!"

Eu não forço um sorriso e apenas aceito as dificuldades da minha relação com recomeços. No entanto, eu sabia que dessa vez teria que ser diferente.

* *

Na minha cabeça, o funcionário daquele Café estava apenas sendo um interiorano preocupado com a decência de uma adolescente. Porém, eu estava enganada.

Em primeiro lugar, o Bar 21 realmente não era agradável. Em segundo, eu não era mais uma adolescente e estava longe de ter decência alguma.

   Para a minha surpresa, o gerente do bar também me requisitou algo: um apelido. Naquela mesma noite, eu cortei minha conexão com o passado e passei a ser chamada de "J".

Então eu seria essa garota - ou melhor, essa mulher - para o resto da vida. Ou até me encontrarem.

Tornar-se Janeiro (em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora