Capítulo 3

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Acordei mais cedo e decidi tomar o café da manhã na pensão, para variar um pouco e garantir que a proprietária não alugasse o quarto comigo dentro.

Dona Leila era insuportável. Seus cabelos brancos revelavam sabedoria, mas tudo que sua boca dizia eram infantilidades. Em minha experiência de vida, ou seja, em dezoito anos, eu conheci muitas mulheres assim. Então garanto: insuportável.

Engoli meu último gole de café na torcida para que ela não falasse comigo. Como sempre, errei em meus cálculos. Nesse ponto da estadia, dona Leila já me contara tudo a respeito de todos da cidade. A única coisa que a incomodava era não saber nada sobre a Janeiro.

Dona Leila cuida mais da vida dos hóspedes do que da própria. O marido, freguês assíduo do bar, cometia adultério todas as noites com prostitutas e ela fingia não saber, assim como eu também fingia. Todos os dias eu apenas a observava viver em um universo paralelo em que sua vida é um exemplo cristão e, dessa forma, ela pode me criticar e me jogar no inferno.

O quarto não valia o nervoso que eu passava, mas a nova vida sim. Eu estava finalmente distante de tudo que ainda amedronta meus sonhos. A liberdade valia a pena.

* *

Seis horas da tarde. Esse era o horário em que meu turno começava e as luzes do bar diminuíam. Aos maridos pródigos eram dadas as liberdades da escuridão, aos solitários o balcão e aos viciados eram fornecidas as sinucas.

Imaginei o que Oliver estava planejando para aquele lugar. Eu sabia que, querendo ou não, aquilo daria certo. A cidade estava lotada de pessoas desesperadas para o agito da capital. Pessoas vazias a procura de erros para cometerem.

O movimento estava parado. Então Mandy, observando minha exaustão, resolveu me dar uma trégua. Quando isso acontece, o que é mais comum do que eu imaginaria, procuro uma mesa distante e um bom livro, e fico ali, à espera de mais movimento ou do fim do expediente.

Encontrei uma mesa perto o suficiente da saída de emergência, com vista para as mesas de sinuca e o mais longe possível das bebidas. Eu poderia ser maior de idade, mas eu sabia o estrago do álcool e preferia apenas servi-lo.

Abri minha bolsa e tirei meu livro favorito para ler. O barulho das tacadas e as apostas perdidas me traziam uma estranha paz e A Hora da Estrela da Clarice Lispector também. Após algumas páginas, não pude deixar de notar pares de olhos me observando. Um deles se acomodou na poltrona da frente e me encarou sem piscar. A escuridão deveria me assustar, mas já me acostumei com declarações de bebados carentes.

"Eu deveria sentir medo né?" - eu perguntei sem esperar respostas, agarrando a minha bolsa e seguindo para o banheiro.

Não sei porque fiz isso. Aquele era meu território, certo? Eu não era uma presa e sim a predadora. Eu era a Janeiro. Ninguém deveria me assustar ali.

Eu sabia que alguém estava me seguindo, porém algo fez com que eu não me preocupasse mais com isso. Era como se uma voz falasse em minha mente: apenas continue andando.
Em rebeldia, olhei para trás e... nada.

A água gelada fechava os poros de minha pele e acalmava meu coração disparado. O banheiro estava nojento e eu não me surpreendi. Bom, pelo menos não com isso. Com os olhos fechados, meus outros sensos se aguçaram. E então senti um pano úmido em minha boca e apaguei.

Tornar-se Janeiro (em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora