Os olhos do Oliver costumavam me dizer tanto, talvez seja por isso que insisto sempre em citá-los. Prometi não fugir ao vê-los brilhando em todo seu verde oráculo, revelando seus próximos passos e prevendo a queda de nós.
Seu toque me alertava da frieza da minha pele e ver ele ficar era uma forma de vê-lo ir embora também, principalmente quando deitávamos nos lençóis macios da cama.
Agora, em todos os devaneios que eu despertar, lembrarei do tudo que sei sobre o todo que foi a história dele. Sim, eu sei que deveria ter me acostumado a recolher meus cacos do chão, mas ainda era difícil demais vê-los quebrar novamente, sempre me ferindo no processo.
Eu, pequena na minha falta de fé e grande na obscuridade dos meus pensamentos. Ele, o anjo dos meus sonhos e o demônio da minha realidade.
Lembro-me da primeira vez em que me senti uma pessoa ruim. Por todo o salão pairava o aroma inesquecível das rosas do jardim de minha falecida primeira mãe adotiva, a primeira pessoa a me dar uma chance no mundo após a morte dos meus pais biológicos - ou a morte que dizem ter acontecido. Abandonada propositalmente ou não, ali eu estava.
Sei que o leitor espera que eu também declare pêsames, mas não possuo esse direito, não há sangue algum que me ligue a ela. Não há nada além das minhas memórias dos dez anos que passamos juntas, que são as únicas que posso considerar realmente boas.
Sua morte ocorreu durante o sono e foi no começo de um ano. Meu pai adotivo, um revolucionário frustrado, perdeu demais naquele único mês.
Parecia uma ida tranquila, mas desde pequena eu imaginava o quão assustador seria dormir e nunca mais acordar, ou acordar e perceber que você está morrendo, mas nenhuma célula do seu corpo te obedece mais e você vai dizendo adeus ao mundo lentamente, agonizando. Depois disso, não dormi por várias semanas.
Lembro-me da primeira vez que eu me senti uma pessoa ruim e tive consciência disso. Eu tinha por volta dos meus nove anos e estava dormindo ao lado do meu pai adotivo que, depois do passar dos anos, desistiu de qualquer revolução ou carinho que pudesse me oferecer.
O sonho começou com um avião passando por cima do mar e sendo saudado pelos animais marinhos que ali estavam. A vida deles parecia tranquila, até que lágrimas começaram a surgir em seus olhos, lágrimas salgadas de um passado distante e tranquilo.
Colonizadores e antigos amores tocavam violino enquanto afundavam em um navio como o de um filme que vi naquela mesma semana. No sonho, eu também me vi, só que em um tamanho adulto.
Eu estava seguindo em frente e essa parte fora a mais clichê de todas.
Foi estranha a manhã seguinte. Os lençóis, como de costume, conspiravam para costurar o meu corpo no conforto criado pelo algodão. Mas eu queria revolução e rima, então acordei, sem saber que as próximas manhãs seriam mais estranhas ainda.
Eu quis contar para o meu pai sobre o sonho. Eu, com o restante da minha inocência e fragilidade, quis acordá-lo e compartilhar com ele todos os momentos incríveis e ao mesmo tempo assustadores daquele sonho. Um sonho cheio de luzes e cores, cheio de novos sentimentos que eu ainda não compreendia muito bem.
Cutuquei sua barriga e não recebi resposta. Após repetir a ação mais algumas vezes, percebi que talvez eu devesse levantar e parar de ser boba. Talvez papai estivesse me ignorando como fazia quando não queria escutar minhas bobagens infantis. Mas não, não era ele na cama ao meu lado, era apenas um travesseiro.
Resolvi explorar o quarto e procurar por ele, até que abri a porta da garagem, um lugar que ele passava a maior parte do seu tempo. Percebi que ele estava descansando, mas não em uma cama, não do jeito que eu esperava.
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Tornar-se Janeiro (em pausa)
RomanceRecomeços sempre foram complicados para mim. Geralmente eles são consequências de dois possíveis cenários: algo bom aconteceu ou algo ruim, e nesse último caso, você precisa fugir. De uma forma ou de outra, fugir sempre foi o que eu fiz. Então foi p...