Capítulo 30

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   Onde está o céu? Onde estão os anjos com seus arcos e suas promessas carregadas de uma luz que facilmente cega um ser não divino? Onde estão as promessas de que a vida depois da vida será melhor? Onde está a garantia de que as dores do corpo não serão mais dores e que as flores da alma jamais murcharão?

   Essa promessa sempre foi um pouco difícil de ser compreendida por mim. Afinal, eu piso os meus pés em um asfalto quente e defino que isso é viver. Defino que respirar é o suficiente e não preciso de mais nada, mas, no fim, acabo com meus joelhos ralados naquele mesmo chão e peço por um significado, um motivo, até mesmo um álibi.

   Então eu passei a rezar. Orei entre o suor do meu corpo febril e a ansiedade diferente de toda aquela que já senti na vida. Passei a conseguir enxergar todos os monstros que corroíam partes de mim, de dentro para fora, de fora para dentro, sempre deixando bem esclarecido que a culpa daquilo era minha.

   De olhos fechados eu recordo os meus primeiros dias naquela cidade. Eu conseguia respirar depois de muito tempo fugindo, eu estava tão só mas pude ver a minha própria companhia. Eu não precisava amar ninguém além de mim e essa talvez tenha sido a maior pegadinha.

   Eu estava longe da paz, é verdade. Porém, eu estava mais longe ainda de tudo que aconteceria nos próximos meses. Eu era outro alguém e talvez outra vida também. Eu havia decidido me tornar uma folha em branco, mas não pensei na possibilidade de sujá-la logo no começo, de ser amassada e jogada na terra, como os sonhos imaturos de três adolescentes.

   Eu era outra Janeiro. Eu era a Janeiro sem o Oliver.

   A verdade é que no momento em que ele entrou no ambiente, no Bar 21, em um dia de semana agitado, perguntando por mim, ele já tinha meu coração numa bandeja. Porque, mesmo com medo, eu vi em seus olhos um futuro que teria fim ali mesmo, na nossa revolução.

   Uma revolução que evitei durante a vida toda, por ter aprendido cedo que eu não poderia almejar mais do que o óbvio. Mas o que era o óbvio?

   Não deveria ser óbvio que todos devemos ter um lugar no mundo? Não é óbvio que precisamos de amor? Carinho? Ainda não está claro para todos nós que uma mão entrelaçada na nossa vale mais do que qualquer orgulho ferido?

   A pergunta principal: eu não aprendi nada com isso?

   Eu não aprendi que dizer sim, mil vezes, para o Oliver, traria consequências? Ótimas, sim. Ruins? Também.

   Deus, pedi que escutasse minhas preces e deixasse para depois os meus pecados. Não pedi perdão porque o inferno já me é certo e sei que só não enxergo a luz dos seus anjos porque não possuo a paz de quem a merece.

   Eu sei que meu destino é uma morte lenta e dolorosa. Sei disso desde que nasci.

   Mesmo assim eu espero que entenda, Deus, que minhas mãos não estavam entrelaçadas porque se negavam a tocar outras que não fossem a do Oliver. Então diga-me, eu lembro que sussurrei. Diga-me por que tive uma vida tão cheia de pecados, quando o mundo não me deu uma oportunidade sequer de ser feliz?

   E quando houve, eu pude tocar.

   Eu senti a felicidade. Eu me deitei com ela na cama, beijei a sua boca e deixei ela fazer o que quisesse comigo. Eu me entreguei como todos diziam que eu deveria.

   Eu fiz.

   Eu troquei qualquer senso de segurança para que eu pudesse sentir a adrenalina das peles suadas e do toque urgente. Eu troquei tudo e até mesmo aceitei o inferno com mais facilidade, afinal, aquilo parecia valer mais que um paraíso. E agora?

Tornar-se Janeiro (em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora