Capítulo 9

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Eu escolhi o quarto mais próximo da sala e mais distante o possível do quarto principal, ou seja, do quarto dele. Meu subconsciente me alertava que nossa proximidade era um risco e eu necessitava de mais cautela. Eu não poderia estragar as coisas. Janeiro merecia existir e sobreviver.

Quando acordei, a luz do sol invadia o meu quarto e fazia com que a madeira brilhasse. A varanda, que era compartilhada por todos os quartos, parecia me atrair para conhecê-la. Entretanto, o cheiro de cigarro que alcançava a minha janela me dizia para resistir. Era preciso evitar encontros desnecessários com Oliver.

Coloquei uma calça e blusa de moletom, a roupa que mais cobria o meu corpo, e prendi meu cabelo em um coque. Meu cabelo estava começando a crescer demais, quase alcançando o meu quadril, algo que me irritava assim como a sua cor. Era incrível como eu achava os fios de Oliver tão lindos por serem castanhos e os meus tão comuns por serem do mesmo tom.
Oliver. Puta merda, será que eu não consigo pensar em mais nada?

Destranquei a minha porta em um gesto sutil e comecei a caminhar da mesma forma. A última coisa que eu queria era ser notada.

A casa era ainda mais bonita na luz do dia. A parede principal da sala, mesmo sendo laranja, criava um ambiente calmo e contrastava com a lareira rústica posicionada entre dois sofás pretos. Mas o que mais me chamou a atenção foram os vitrais na janela: coloridos e alegres, tão diferentes da personalidade do dono daquele lugar.

O ronco em minha barriga me implorava para eu procurar o cheiro de café da manhã. Assim o fiz, adentrando outro ambiente, ainda mais iluminado, onde uma mesa de madeira fornecia apoio a diversos alimentos.

"Bom dia, senhorita. Posso ajudá-la com alguma coisa?" - uma voz gentil e doce se dirigiu para mim.

Meus olhos sonolentos demoraram, mas encontraram a dona de tal voz: uma senhora baixinha e com olhos verdes que eu reconheceria em qualquer lugar.

A semelhança entre Oliver e aquela senhora era notável. Após eu negar diversas vezes um de seus bolos, ela finalmente desistiu e sentou-se ao meu lado na mesa. Eu quis perguntar tantas coisas, mas no mesmo instante, como se escutasse meus pensamentos, Oliver entrou no ambiente e sentou-se de frente para mim.

A senhora gentil, que depois se apresentou como Ruth, rapidamente levantou-se e foi servir um café para Oliver. Ela parecia estar assustada com sua presença, como se aquilo não fosse um hábito dele. Porém, assim como eu, ela parecia entender que Oliver não gostava de ser questionado. Então apenas fez o seu suposto trabalho e desapareceu, caminhando para sala, e deixando Oliver e eu sozinhos.

Ele cheirava a cigarros mentolados e evitava fazer contato com os meus olhos. Estava vestindo um terno e, mesmo pronto para sair, parecia não ter pressa em seus movimentos.

"O machucado em seu olho parece estar melhor hoje" - eu arrisquei.

Ele não respondeu.

"Então é assim? Você me convida parar morar na sua casa, mas continua me tratando da mesma maneira."

"Isso não é uma novela, Janeiro. Nós não somos amigos. Isso é a vida real."

"Tão real quanto os seus machucados?" - eu provoquei, recebendo o silêncio como resposta.

"O que aconteceu, Oliver?"

Ele tomou o último gole do seu café e me olhou impaciente.

"Não é seu problema" - ele me passou um papel por cima da mesa - "Uma hora da tarde, nesse endereço. Não se atrase, Janeiro." - e deixou o ambiente.

Caminhando para a sala, Oliver me provou mais uma vez que eu deveria manter a distância e engolir a fascinação que eu sentia por ele.

E tudo bem. Pela Janeiro eu faria isso. Por ela eu esconderia o arder entre as pernas e diria sim para Oliver. Quantas vezes fossem necessárias.

* *

O movimento estava vazio por conta do horário. Óbvio. Quem estaria em uma estrada no meio da tarde? Nem os fregueses mais frequentes do bar se arriscariam dessa forma. Mas ali estava eu, vivendo a consequência de todos os "sim" que eu disse desde que cheguei nessa cidade.

Uma hora da tarde. Fui pontual como ele me pediu. Nada poderia dar errado, certo? Eu estava ali para ser seus olhos e ouvidos e receber um carregamento de mesas. Seriam só mesas, certo? Não haveriam riscos.

Meia hora depois um caminhão estacionou na frente do Bar 21. Eram dois homens dentro do veículo e isso não foi uma surpresa para mim. Eram sempre homens.

O motorista era alto, careca e possuía uma barba comprida. Andava de forma engraçada e carregava um cigarro atrás da orelha. O passageiro era o oposto: baixo, com muito cabelo e pouca capacidade de ter pelos na cara. Era praticamente um garoto, deveria ter uns 16 anos.

Ambos estavam impacientes e não ficaram muito contentes de ter que lidar com uma mulher.

"Onde está o Oliver?" - o barbudo falou.

"Eu o represento agora nas entregas" - olhei a ficha da encomenda e chequei os números - "São doze mesas, correto?"

Os dois começaram a gargalhar.

"Garota, chame o Oliver agora. Não tenho tempo para palhaçadas."

"Acho que o senhor não entendeu" - eu me aproximei dele, tentando ser intimidante - "Eu o represento agora."

Eles precisaram de alguns momentos para digerir a situação e eu até considerei recomendar alguns livros sobre o feminismo, no entanto, garanto que eles não leriam.

O garoto abriu o caminhão e começou a carregar as caixas para dentro. A montagem demoraria e naquele momento eu soube que passaria o dia ali, com aqueles dois.

Para minha surpresa, após colocarem as caixas dentro do salão, eles começaram a fechar o caminhão e estavam se preparando para a retirada.

"Vocês não vão montar as mesas?" - eu indaguei.

O barbudo exibiu um sorriso nojento, checou minha bunda pela décima vez e disse:

"Acho melhor você conversar com o Oliver, princesa."

* *

Oi gente, tudo bem? Tenho uma pergunta para vocês: os capítulos estão muito curtos?
Eu costumo postar todos os dias - por isso não faço capítulos enormes. O que vocês acham disso?
Agradeço se vocês puderem opinar :)
Obrigada pela atenção!
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Tornar-se Janeiro (em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora