Capítulo 8

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"Você não vai morar com esse louco, né J?" - Mandy me confrontou após eu contar sobre a aventura do dia passado.

Meu silêncio respondeu tudo.

"J! Você não conhece esse cara. Ele pode estar envolvido com coisas muito mais ruins que jogos ilegais. Você sabe disso!"

"Exatamente. Eu sei disso. Mas então me diz como irei negar o pedido dele?" - eu a questionei sem esperar respostas - "Eu estou cansada de fugir, Mandy. Eu me adaptei a cidade e não quero ir embora."

Agora o silêncio dela respondia tudo. Mandy compreendia o que eu estava dizendo. Mesmo que essa minha decisão pudesse me causar problemas, nada seria pior do que fugir e começar novamente. Nada.

"Eu ainda acho que é loucura." - ela disse, antes de pegar a bandeja de bebidas e continuar com o seu trabalho.

Naquele mesmo dia eu fiz as minhas malas e esperei. Esperei por horas até que ele aparecesse. Mesmo assim, Oliver parecia seguir cenários totalmente diferentes dos que passavam por minha cabeça.

Ele estava no controle da nossa relação. Se é que existia uma relação. A verdade é que naquele momento ele não era mais uma ilusão e eu estava, de certa forma, aliviada. Oliver era real e eu passaria a morar com ele.

Eu fui capaz de jogar minhas roupas em uma mala e de certa maneira recomeçar, só que na mesma cidade. Parte de mim gritava que aquela situação estava errada e que eu deveria correr dali, eu não cheguei a negar esse meu lado, apenas o coloquei em uma caixa e tranquei, jogando além das chaves, toda a dignidade que me restava.

Recomeçar significou criar a Janeiro e criar os seus hábitos e gostos. Desde que eu conheci o Oliver eu desejo por algo além disso, mesmo possuindo plena consciência de que pedir por mais me levaria a situações que me marcariam para sempre. Eu não queria que a Janeiro sofresse coisas como as que eu ainda carrego do meu passado, mas eu não teria mais escolha, não depois de mergulhar de cabeça na vida dele. E assim eu faria - eu pagaria para ver.

Após algumas horas me deixando esperar - algo que ele parecia estar acomodado em fazer - Oliver estacionou na frente da pensão.

Ele não se preocupou em me cumprimentar ou me ajudar com as bagagens. Parecia estar frustrado e com pressa.

Quando entrei no carro, um arrepio percorreu minha espinha. Da última vez que eu estive ali, eu estava sem calcinha e sem muitos limites.

Dessa vez o caminho foi mais curto, mas o silêncio permanecia. Oliver se escondia atrás de um óculos escuro e pela primeira vez eu o vi fumando.

Era lindo.

Por mais que seus olhos estivessem escondidos, era como se eu ainda os sentisse percorrendo meu corpo, enquanto a fumaça percorria seus lábios. Era um péssimo hábito, mas ele fazia todas as coisas péssimas serem excitantes. Oliver sabia disso. Ele sabia o quanto me excitava.

* *

A casa dele era diferente do que eu esperava. Desde nosso último encontro e suas propostas, eu coloquei em minha cabeça que moraria em um lugar tão luxuoso quanto a casa de jogos. Não que eu realmente desejasse isso, mas parte de mim sim. Eu queria conhecê-lo, mesmo sabendo que era perigoso demais ser seduzida pela adrenalina do luxo, no entanto, eu já estava seduzida de alguma forma. Não exatamente pelo luxo.

   Não era como se todos os habitantes da cidade fossem conseguir morar em um lugar assim, mas também não era algo fora do normal. Por fora, sua casa parecia simples e era rodeada de árvores. Por dentro, mostrava ser muito aconchegante. Algo que eu nunca esperaria de um homem como Oliver.
Assim que entramos na sala, uma parede laranja me chamou atenção. Nela estavam pendurados diversos quadros e no espaço central um brasão da família Madraga. Será ele viveu ali sua infância? Quantos irmãos ele tinha? Ele ainda morava sozinho? - Surgiram perguntas muito pessoais na minha cabeça. Recordei o quanto ele não gostava delas.

"Escolha um dos quartos. Todos estão livres." - ele disse, ainda sem me encarar ou tirar seus óculos escuros - "O meu é no final do corredor. Nunca entre sem ser chamada. E fique tranquila, você não será chamada."

Eu pude sentir meu corpo esperando que seus lábios formassem aquele seu sorriso sutil, mas não chegou a acontecer. Em consequência, eu senti saudades de todas as suas provocações e o que elas causavam em meu corpo. Porém, naquele dia ele estava distante, quer dizer, mais distante que o normal.

O problema é que minha cabeça não sabe diferenciar as coisas. Não sei se eu deveria ficar aliviada ou ofendida pelo fato de que ele nunca me chamaria aos seus aposentos. Escolhi aliviada, pelo menos naquele dia. Eu sabia que o desejo chegaria em algum momento, mas fiz uma promessa com a virgem iludida que existe em mim: dessa vez eu me controlaria.

"O café da manhã é servido bem cedo e os seus trabalhos começam no horário do almoço" - ele percebeu que eu não me movimentei, então continuou: "Você estará responsável pela inspenção de um carregamento de novas mesas para o Bar."

Ele tirou o óculos e me encarou. Era uma das primeiras vezes que vi seu rosto tão claramente. Estava machucado e nem o roxo em baixo dos seus olhos o causaria feiúra. Sua pele clara parecia ser sensível ao toque. Eu queria toca-la. Eu queria cura-lo, nem que fosse com a minha boca.

Oliver parecia ter saído da capa de uma revista e eu teria que aprender a conviver com isso. Naquele momento, eu também tive vontade de passar minhas mãos em seus cabelos ou apenas as esfregar em sua barba que crescia a cada dia, percorrendo o seu rosto e criando mais beleza no que já era belo. Perfeito.

Percebi também que era a primeira vez que eu o via sem terno. Dessa vez, Oliver estava usando uma camiseta preta e jeans. O mundo parecia estar em reverso e eu estava deixando meus desejos arruinarem minhas decisões. Conversei mais um pouco comigo mesma e tentei entrar em um consenso entre o desejo e a responsabilidade de sobreviver naquele ambiente que eu passaria a chamar de lar.

"Acha que consegue fazer isso por mim, J?" - ele perguntou, retirando-me dos meus devaneios.

"Sim."

Que merda eu estava fazendo com a minha vida?

Tornar-se Janeiro (em pausa)Onde histórias criam vida. Descubra agora