Inspirações, Profecias e Reservas

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Caderno sem espiral

apoiado aberto na mesa. Nem tudo

está como deve. Algumas

coisas mudam e, ainda assim,

são como deveriam. Algumas

coisas mudam e a

terra inverte os polos.


Todo esquerdo vira

direito. Todo feijão vira

arroz. Em toda poça

parece que vou afogar.


As coisas se transformam,

Lavoisier.  A caneta

está tomando forma do

lado esquerdo de onde o

caderno foi apoiado e

isso não me importa.


Depois do último poema

pensei que pouca coisa

deveria poder me importar.


As coisas se transformam,

Lavoisier. É hora de

falar dela.


E como ser tão direto se

não deveria? Esquiva da

esgrima. Como esconder o

que você quer mostrar aos

quatro cantos e quer que

todos leiam? Uma música no

silêncio. Publicarei-te nas

televisões e colarei seus

poemas nos postes

perto de casa com tinta

fluorescente. O teu brilho já

ofuscou meus olhos. Seu

archote ilumina mais do que cega.


Contorno a mancha de

lata de cerveja na minha

mesa improvisada enquanto

penso em como não

parecer tão brega quanto

seria possível. Enquanto não

vem-me o santo acudir, te

direi bobagens.


O gato subiu na mesa ao

lado do caderno, mas

está inquieto. Logo vai 

descer. Desceu. Seria isso um

presságio para o fim do 

mundo? A coisa da

terra inverter os polos

era brincadeira! Terá algo

haver com meu signo? Leão de

Neméia, lembra? Você,

argonauta, não deve

esquecer detalhes.


O gato agora está comendo e o

barulho de suas dentadas na

ração me inflama os

ouvidos. Terei ao menos

minhas terras posto em

ordem? Eu, com certeza,

deveria andar menos com

você, Flebas, o fenício. Não

quero mais acabar como o

marinheiro afogado. Terei ao

menos te cansado de citações?


Não farei-lhe promessas com

minhas pernas cansadas e

joelhos estralando. Não

forçarei nada. Darei ao

deus bonito o que lhe falta.


Aquele velho Sudoku que meu

antigo professor de

matemática me inspirava a

praticar. Sempre tirava

cinco ou seis na

matéria e ele me

achava um gênio. Não

mais que ele, é

claro. Nunca mais

que ele.


Posso inspirar um problema? Será o

peso dos seus olhos, lendo-me, que

me faz divagar tanto?


Se o santo se perdeu no

caminho, tocarei-te o

tempo com história 

sobre gatos e professores de

matemática. Tocarei-te o 

tempo poque não posso tocar-te.


Por que  o tato está me

importunando? A barra da

sua saia, a ponta de

seus dedos, as cordas de

seu violão. Os sentidos estão se 

perdendo em vontades e 

falta de escrúpulos. Acabe com

isso, poeta! Enquanto a

visão não falhar-me

poderei ler seus 

versos e compartilhar seus 

segredos. Não posso

deixar a miopia em complô 

com o paladar, posso?


São três horas em uma

tarde de quinta-feira e

parece que o céu vai

cair. Será essa a

chuva profética em que me afogo?



Natureza ImpostaWhere stories live. Discover now