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I - Russos

Não consegui ver
as últimas folhas do caderno
vazias. Chamaram-me. Imploraram-
me. Acudi.

Virou necessidade e,
se perco-me de mim,
encontro-me cá
onde estou, e soube
que sempre estive.

Vejo notas rasgadas na cabeceira
entre os livros empilhados,
espelhados desorganizadamente,
vejo chícaras em pilhas,
sujas e esquecidas de
cafés passados.

Vejo lombadas viradas e lombadas
visíveis. Clássicos, aventuras,
poesias. Via diversão, acima de
tudo. Não via a dor da solidão,
agora vejo.

Porque os livros são coisas mais
profundas que um encontro casual.

E se escuto enquanto escrevo e
leio enquanto escuto,
não me julgue,
ainda vivemos tempos
sombrios! Pense em mim,
se lembrares,
com indulgência.

II - Elucidações

A solidão deve ser minha amiga no
sol escaldante, no
inverno russo para
alemães, em 0 K.

Estar sozinho é a libertação do
convívio. Só pensa-se. Só pensa-se só.

O mundo como vemos é extremo
em todas as suas formas. É
extremo no mínimo e no máximo,
em todos os pontos de sua
curva. Todas as funções levam ao
módulo do mesmo resultado,
sempre o maior ou sempre o
menor. Todas as variáveis levam a
um mesmo ponto fixo.

Ninguém mais pensa. Todas as
pessoas são iguais.

O trabalho retira o poder do
raciocínio. Vive-se por frases
feitas. Vive-se pelo pão,
dizem que pelo circo.

Há um ciclo infinito de hereditariedades e ninguém tem
problemas existênciais.

Não existem mais códigos de honra.

Não existem mais leitores de
poesia; Poesia, não frases bonitas.

Não existe mais metafísica.

Pensa-se por vídeos,
come-se por enlatados,
respira-se por aparelhos.

Fazem-se finais clichês.

III - Pesadelo

Sou de levar sustos fáceis. Atmosferas de
alta tensão me condenam.

Câmeras que acompanham o ator
em atos cotidianos
tendem a me tencionar.

Quem consegue criar o ar assustador
deve ter meu respeito de todo. Não o
assistirei, diretor, mas saiba
que é porque conseguiu.

Se não acendo a luz ao levantar, ou
não tenho receio de tirar os pés da cama, é
porque não tenho medo do
que pode estar debaixo dela.

O demônio não me assusta.

Atormente-me, então. Se
vier alguém assaltar a casa,
mate-me de vez! Não estou vivendo,
que mal pode fazer um tiro no peito?

Que mal pode fazer a tormenta eterna?

Paz na terra, em transe profundo.

O inferno não existe mas os anjos caídos
caminham sobre a terra. Vêm e vão de
caminhar, passam por aqui e sentem-se
Tediosos. Nem eles querem me
Incomodar. Devo fazer mal o suficiente a mim.

Será que disperdiçarei minha vida
se vivê-la só? Não há
possibilidades de levar sustos sozinho.

IV - XX

A vida não é filme. Histórias de
amor não são músicas. Ela
pode encontrar alguém
melhor que eu. Por que não?

A única probabilidade baixa é
de ela encontrar
alguém pior.

A busca seria incessante. Há um
esforço de muitos dias,
continuamente,
para tornar-se tão má pessoa.

Estude enquanto os outros dormem.

Se consegui,
vanglorizo-me! Ora, não é tão
simples quanto parece!

O fio das horas já se cansou de ver-me
nu, descalço;
já cansou de ver-me verme
em núpcias, descaso.

Se pedirei vingança do meu corpo
será como morto
mineral vegetal. Cansei de perder
também, mas a hora da
rebeldia já passou.

V - Grafita

Não há tela que receba projeção
de nervos em retalhos.

O que penso deve vir do
mais intímo âmago e
percorrer estas linhas
com a mais simples verdade.

Se não tenho mais talento
em prosa,
satisfaço-me em poesia.

Com ardor, suor e câimbras nos
dedos. Horas a fio de veios de cérebro
lavando essas áusteras teclas.

Não sou poeta,
não sei se sou fingidor e
por isso finjo.

Se procuro, não o tenho.

Meu jardim dos jacintos floresce. Já
Consigo sentir o cheiro
dessas flores que
perfumarão minha sepultura.

Não há cheiro de crematório que
supere o cheiro dos jacintos.

VI - Agora

Depois de milhares de explicações
sobre o que quer que
seja, a música alta do
vizinho continua. A
voz esganiçada ainda
perturba as paredes do
quarto. Eu ainda te
quero com todas as forças
que possuo. Com câimbra
em todos os músculos do meu
corpo. Eu te quero com toda a
profundeza das olheiras dos meus
olhos. Mais do que qualquer
cansaço ou termo técnico em
inglês. Aqui e agora. Vinho,
poesia ou virtude. Dedos,
corpo e lábios. Embriaga-me!

Natureza ImpostaWhere stories live. Discover now