Fukuoka, Japão
Janeiro, 2018
"Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!" – O tempo, Mário Quintana
Aquele dia, da aula de desenho, não foi o último dia em que Antônio ficou ao lado de Luma. Aos poucos, com os dias passando, ele não conseguia sair de perto da menina que andava por todos os lados com um par de muletas. O rapaz sabia que a intenção do professor, naquela aula de desenho, era que a menina conversasse com alguém. Antônio não sabia qual era o real problema de Luma. Nem o que a fez usar muletas para andar por aí, mas sabia que ela era um diamante. Um diamante que ainda iria brilhar muito.
Viraram amigos. Aos poucos, lentamente, quase parando, na verdade. Luma e Antônio viraram amigos. A moça descobrira que Antônio era da mesma idade e que não era tão novato assim na universidade. Era verdade que o rapaz não tinha afinidade com a língua japonesa, mas ele compreendia o que os japoneses falavam. Depois daquela aula, tiveram mais aulas juntos. Luma chegou a se questionar porque não tinha visto Antônio antes, mas o mesmo respondeu antes mesmo dela externar essa pergunta: ele não gosta de ser visto.
- Você volta quando pro Brasil? – Luma perguntou enquanto abria um lanche durante o intervalo das aulas.
- Ainda tenho mais um tempo por aqui. – Ele ajudou a moça a terminar de abrir o lanche. – Como você se virou sozinha todos esses anos?
- Paciência. – Luma sorriu e colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha para poder comer o lanche tranquilamente. Queria poder comer com os cabelos presos. Embora curtos, eles já podiam ser presos, mas como era uma tarefa que exigia muito do corpo, contentava-se em apenas colocar atrás da orelha.
- Você é uma santa. – Antônio, enquanto Luma terminava de abrir seu lanche e pegar de forma confortável, já devorava metade do lanche. Homens. – Você viaja quando? – O rapaz continuou de boca cheia.
- Vou passar a semana do feriado da fundação nacional com meus pais. – Ela falou ainda mastigando. – Vai ser só alguns dias, mas já valem muito.
- Meus pais moram em Sendai. Vou viajar só para o norte. – Ele sorriu sem graça e ainda de boca cheia. – Você poderia ir para lá.
- Você quer mesmo me levar para sua casa? – Ela perguntou receosa. Sabia dos preconceitos das famílias japonesas com estrangeiros e ainda mais os estrangeiros "defeituosos".
- Por que não? – Antônio sorriu. Ele tinha um sorriso engraçado. Luma guardou, mais uma vez, aquela imagem em sua cabeça. Ele parecia ter saído de um anime. Era um típico japonês com os cabelos lisinhos e pretos. Os dentes brancos e retos denunciavam que era um daqueles preocupados com sua saúde bucal. Quem o visse de longe, jamais diria que era um estrangeiro. Mas, olha a vida, Luma poderia ter quase certeza que tinha mais fluência no idioma do que esse jovem gaijin.
- Porque eu uso muletas...? – Ela respondeu como se fosse o óbvio. Antônio ainda não entendia esses preconceitos idiotas que as pessoas tinham. Seja com estrangeiros, com deficientes, com qualquer coisa. Ele fora criado numa família onde a empatia era a palavra mestre. Em todos os lados da casa.
- Minha avó também usa. – Respondeu como se não fosse nada. – Resolvido, esse final de semana, iremos à Sendai.
- Eu não disse que queria ir Antônio. – Ele olhou novamente com um sorriso zombeteiro.
- Pela primeira vez você fala meu nome com esse tom. Preciso decorar. – Ele se apoiou com os cotovelos na mesa. – O tom de "Luiza Mariana irritada".
- Eu não estou irritada. – Disse ficando ainda mais irritada com a audácia do rapaz. Ele ousou falar seu nome inteiro.
- Sim, claro. – Ele tirou os cotovelos e terminou seu lanche. – Eu vou estar na frente do seu dormitório amanhã às seis, Furukawa-san, sugiro que leve roupas para três dias. – Disse enquanto guardava sua lancheira. – E, não me olhe assim, minha mãe acha que você é minha namorada.
- O quê? – Viu Antônio levantar e soltar um sorriso leve. Estava deixando Luma com aquela bomba para digerir. Como que iria contar para os pais que iria para o norte do país em menos de 12 horas? Ela prometeu, silenciosamente, acertar aquele garoto petulante com suas pernas de metal.
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JET LAG [COMPLETO]
Short StoryA vida da jovem Luiza Mariana muda, drasticamente, depois de um acidente. Lutando para sobreviver e realizar seus sonhos, consegue, aos poucos, se adaptar a nova vida após o acidente que foi um divisor de águas. O que ela não esperava é que, graças...