CAPÍTULO 5

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Sendai, Japão

Janeiro, 2018

"Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas..." – O tempo, Mário Quintana.

- Yuki, vá lavar as mãos e venha jantar! – Tereza falou para o mais novo que, literalmente, corria como um furacão pela casa. Luma achou engraçado, não lembrava de conviver tão perto com crianças da idade de Yuki. Algo pelos seis ou sete anos. Ele estava na fase de energia plena e altas descobertas. – Venha Luma, vou ajeitar seu lugar. – Se sentiu acolhida e constrangida por toda a recepção da família de Antônio. Eles, realmente, a conheciam antes e não faziam muitas perguntas indiscretas, exceto Yuki.

- Muito obrigada senhora Tereza. – Luma disse baixo, com seu tom de voz comum. Tereza achou encantadora a menina que usava pernas de metal. Engraçado, também, a forma que ela tratava Antônio sem realmente se importar com quem ele era. – Talvez, pensou Tereza, ela nem saiba quem Antônio é.

- Deixe esse 'senhora' de lado, sim? – Ela sorriu. – Me chame apenas de Okāsan.

- Certo. – Luma deixou as muletas recostadas na parede e, com a ajuda, sentou-se para o jantar. Era estranho ver tanta comida posta em um lugar que não seja a sua casa. – Muito obrigada por me receber assim, as pressas.

- Imagine querida. – Ela completou servindo o jantar. – O Yuzu já estava planejando te convidar faz tempo, acho que agora te obrigou a vir. – Ela completou com um sorriso.

- Aquele... – Quis completar com uma palavra de baixo escalão, mas lembrou-se que estava na casa dele. Falando no felizardo, este apareceu. Depois de tempos, com a roupa trocada e o cabelo molhado do banho recém tomado.

- Esse cheiro está maravilhoso mãe. – Antônio disse aproximando o rosto da mesa. – Não dá mais vontade de comer aquelas comidas industrializadas de Fukuoka.

- Você fala como se vivesse de comida pronta. – A mais velha respondeu e soltou um sorriso. – Luma, querida, você sabia que o Yuzu é um ótimo cozinheiro?

- Ele?! – Luma questionou com uma expressão que tirou sorriso da mãe do rapaz. Ela sabia que ele tinha pouco jeito com os desenhos, talvez fosse apenas uma matéria eletiva na faculdade, mas ele mal conseguia colocar os traços corretos no papel. – Ele mal sabe desenhar um solzinho numa folha em branco.

- Obrigado pela parte que me toca, Furukawa-san. – Antônio disse.

[...]

- Luma, porque você anda de muletas? – Yuki fez a pergunta que todos queriam ter feito desde que Luma cruzou a porta de entrada da casa. Fernando, o pai de Antônio, já havia chego do trabalho e agora todos estavam sentados na sala assistindo um programa que arrancava várias risadas dos pais do rapaz.

- Eu sofri um acidente quando era mais nova. – Ela começou a relatar e se lembrou que nem Antônio sabia de fato. Quando deu por si, todos prestavam atenção no que ela falava para o pequeno e curioso Yuki. – Eu fiquei muito tempo no hospital, aí quando eu saí, tive que aprender a andar, comer, falar, escrever. – Ela sorriu para Yuki. – Igual a você faz na escola.

- Mas você já é velha. – Yuki, uma criança sem filtro, soltou e nem se tocou dos suspiros que os pais deram.

- Ah, sim. – Ela sorriu. – Mas, meus pais me ajudaram bastante. – Ela lembrou. – Quando eu melhorei, consegui fazer tudo sozinha de novo, eu vim para o Japão.

- Surpreendente Furukawa-san. – Antônio disse enquanto, ainda, estava recostado no batente da porta que dava acesso a sala vendo a conversa da moça com o irmão caçula. – Yuki, não quer jogar videogame?

- Eu posso oni? – O menino pareceu ganhar uma luz com a menção que o irmão fez. Nem esperou resposta. Saiu correndo para o quarto para o jogar antes que o irmão mudasse de ideia.

- Você que vai tirar ele daquilo na hora de dormir Yuzu. – Fernando disse sem tirar os olhos da televisão.

- Sim, pai. – Ele sorriu. – Luma, quer dar um passeio?

- Passeio? – Ela olhou as horas, já eram quase nove da noite. Quem daria um passeio aquela hora? – Onde?

- Surpresa. – Ele disse pegando os casacos para ajudar Luma se vestir antes de pegar as muletas que estavam no mesmo lugar desde o jantar. – Mãe, volto logo.

- Juízo. – Foi a voz séria de Fernando que ecoou pela sala. – Os dois.

[...]

Sendai é uma cidade bela. Tão bela quanto Fukuoka. No entanto, muito mais fria. Era noite e gostaria de continuar dentro da aquecida casa de Antônio. Mas, quando ele estava tão animado com a surpresa que faria para a garota, Luma não pôde recusar. Conhecia Antônio o suficiente para saber que era seguro.

- Onde estamos indo? – Disse quando estava subindo uma grande escada, nas costas de Antônio, enquanto segurava as muletas numa mão e os ombros do rapaz em outro. – Não tinha um lugar com menos escadas?

- Você sabe, gosto de desafios. – Luma não viu, mas teve certeza que o rapaz estava sorrindo daquele jeito que alcançava os olhos. – Vou te levar no meu lugar favorito. – A moça apenas concordou e se aconchegou melhor para não cair. Ainda tinha bons degraus pela frente e, mesmo com um corpo magro, Antônio não parecia se esforçar muito para carregar Luma, as muletas e os casacos.

[...]

- Desde quando você patina? – Luma perguntou enquanto ele calçava os patins e fazia milhares de nós. Aquilo iria soltar?

- Desde a idade de Yuki. – Ele lembrou, sorrindo, de como começou a patinar. – Eu tinha uns cinco anos quando meus pais mudaram para o Japão e eu ainda estava me adaptando a mudança. – Ele terminou de calçar e se levantou. – Aí, descobrimos esse ringue perto de casa, foi uma boa distração quando criança.

- Mas você disse que não sabia bem o japonês. – Ela lembrou de quando se conheceram. – Seu mentiroso.

- Eu realmente não sei bem o japonês. – Ele sorriu de novo, devia ser proibido o rapaz fazer isso. – Digamos que eu sei o suficiente para manter uma conversa, mas, como meus pais falam em português em casa, acabou que eu me acostumei melhor com o português.

- O que mais eu vou descobrir de você, Antônio? – Ela disse sem pensar. Antônio sorriu com o pensamento e foi para o ringue. Talvez, Luma não soubesse quem ele realmente era. Mas, seria melhor ele mesmo contar. Da melhor forma que sabia fazer. Patinando.

JET LAG [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora