CAPÍTULO 4

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Fukuoka, Japão

Janeiro, 2018

"Agora é tarde demais para ser reprovado..." – O tempo, Mário Quintana.

- Eu juro que estou prestes a te matar Antônio! – Luma disse quando viu que o rapaz estava recostado à uma das barras da rampa de acesso do dormitório feminino. Ela ainda não acreditava que levou aquela sandice à sério. Ao ser deixada, literalmente, na mão por Antônio, foi para o dormitório e ligou para a mãe. Bianca deu gritinhos estridentes de felicidade em plena manhã do Brasil. Estava feliz que, em tantos anos, a filha estava fazendo um amigo e ainda indo passar o final de semana na casa dele. Claro que deu as milhares de recomendações que um pai daria, mas ainda ficou feliz e prometeu contar para Carlos com aquele jeitinho para que ela não sofresse as consequências.

Luma sorriu com a empolgação da mãe. Pensou, num futuro distante, que seria divertido ter ela e Antônio numa mesma mesa conversando. Os dois seriam uma dupla e tanto por falarem, em conjunto, pelos cotovelos. Sorriu do pensamento enquanto ainda arrumava uma pequena mala com algumas roupas que fosse necessário para três dias de passeio. Teria aula somente depois da metade da próxima semana. Nos períodos finais, conseguia um pouco de folga e Antônio estava descaradamente aproveitando desse momento.

Quando terminou de arrumar a mala e sua mochila, colocar o celular para despertar e se preparar para a sua jornada matinal, recebeu apenas uma mensagem do seu pai com um sério e alarmante cuide-se. Talvez, ela deveria ter respondido que não seria capaz de fazer nada. Mas, quis dar, pela primeira vez, uma pequena dor de cabeça para o pai. Uma falta de rebeldia na adolescência.

- Você não vai me matar Furukawa-san. – Antônio se apressou, antes mesmo de Luma cruzar a porta, para que pegar a mala que ela trazia. – Você consegue levar a mochila?

- Sim, está leve. – Já tinha se acostumado com essa pergunta habitual. Antônio não era como os outros. Ele não vinha simplesmente pegando os pesos que Luma carregava, ele pedia permissão. Talvez isso, tenha feito que ambos se sentissem confortáveis com essa relação nada convencional.

- Você vai adorar Sendai. – Ele disse enquanto carregava a mala de Luma e uma mochila pequena. Ele estava indo para casa, não precisava de muitos pertences como Luma. – Minha mãe já está te esperando e ansiosa para pegar o número da sua mãe.

- Você... Não?! – Ela ainda estava confusa. Quem conseguia pensar antes das nove da manhã? – Antônio!

- Você anda falando meu nome muitas vezes. – Ele murmurou quando alcançaram as escadas rolantes da estação do metrô. Seriam algumas estações até o aeroporto. Sendai ficava longe e era um conforto para Luma viajar de avião. Antônio sabia, um pouco, das limitações da garota e faria que aquele final de semana seria um pouco mais acolhedor para ela.

[...]

- Sendai é onde estão cravadas as origens da minha família. – Antônio sussurrou depois de prenderem o cinto da aeronave. Ainda taxiavam pelo aeroporto de Fukuoka quando Luma se tocou. Quem havia pago a passagem? Ainda mais, de um dia para outro? Ela questionaria Antônio mais tarde. Agora, estava mais preocupada em aproveitar uma hora de sono que teria, garantida, com o completo silêncio do rapaz que também estava sonolento ao seu lado. – Vou tirar um cochilo, qualquer coisa me chama, ok?

- Tiraremos Antônio, tiraremos. – Luma sorriu junto com o rapaz que estava com os olhos que sorriam fechados. Luma fechou aos poucos e, antes de se perder num sono tranquilo, teve uma imagem serena de Antônio dormindo.

[...]

- Luma, acorda. – Antônio tocou seu braço. – Chegamos.

Foi, aproximadamente, uma hora e quarenta minutos de voo. Antônio despertou quando o avião pousou e pôde ter uma visão de Luma serena, dormindo tranquila, enquanto o avião ainda parava na pista para que os passageiros descessem. Ao notar onde estavam, Antônio percebeu o equívoco. As muletas foram despachadas junto com as malas e, para que Luma se locomovesse, ele teria que apoiá-la. Mas, agora, teriam que andar, pelo menos, uns cinco minutos até onde estavam as malas.

Antônio, que já estava de pé, apoiou-se para que Luma levantasse e pegasse a sua mochila. A moça, ainda sonolenta, acomodou a mochila e apoiou no braço que o rapaz, educado, oferecia. Em outros olhares, poderiam ver um jovem casal. Para Luma, uma impossibilidade. Para Antônio, uma tela em branco. Sem saber dos pensamentos um do outro, ambos andaram, lentamente, até o local onde estavam a mala e a muleta de Luma.

- Minhas pernas de metal passaram frio naquele lugar. – Luma disse enquanto se acomodava independentemente e Antônio puxava sua mala. – Aqui está mais frio que Fukuoka, Antônio.

- Eu já disse que você vem falando meu nome mais vezes ultimamente? – Ele sorriu, de novo, para ela enquanto estava acomodando a mala no chão e indo para a saída do aeroporto. – Me chame apenas de Yuzu.

- Yuzu? – Ela sorriu quando ele mencionou o apelido. – Apelido de infância?

- Eu diria que é uma supressão. – Ele acenou para um táxi. – Meu nome católico é Antônio, meu nome japonês é Yuzuru.

- Eu não tenho um nome japonês. – Luma constatou quando entraram no táxi. – Gostaria de ter um.

- Luma é um bom nome. – Antônio sorriu quando deu as coordenadas para o taxista.

- Eu diria que é uma supressão. – Sorriram. Esse final de semana renderia muitas, mas muitas boas histórias.

[...]

- Okāsan! O Yuzu chegou! – uma voz de criança ecoou por todos os lados quando a mala de Luma foi deixada ao lado da porta enquanto Antônio a ajudava a retirar os sapatos e colocar as proteções nas muletas. Japoneses e seus hábitos.

- Tadaima! – Antônio cumprimentou quando entrou em casa. Fez uma referência a senhora que vinha em sua direção e depois recebeu beijos pela face. Parecia estranho todo aquele carinho. Mas, a garota sabia que no Brasil sua recepção seria a mesma, ou pior. – Vovó, essa é a Furukawa-san.

- Oh que linda. – Ela se aproximou e viu as muletas. Seu olhar não transpareceu nada além de amor. Um amor que só conseguia ver nos olhos de sua mãe. – Luma, certo?

- Sim, muito prazer. – Esticou a mão direita, que sustentava uma tala de proteção, como dizia os bons costumes brasileiros. A senhora a recepcionou da mesma forma. Deveria prever que para Luma fazer a saudosa reverência seria algo desafiador.

- Okaeri, meu filho! – Uma versão feminina e mais velha de Antônio apareceu na sala. – Que saudades!

- Mãe, eu vim na semana retrasada... – Antônio murmurou enquanto, ainda, estava preso nos braços da sua mãe. – Que tal dar um pouco de atenção para a senhorita que me acompanha?

- Mas que má educada que sou... – Limpou as mãos, que Luma julgava estarem limpas, e estendeu para a jovem. – Muito prazer querida, sou Tereza.

- Muito prazer, Luiza. – Luma estendeu a mão e sentiu um formigamento agradável. Era bom ter essa sensação.

- Meu pai está no trabalho, daqui a pouco chega. – Antônio disse depois de acomodar cada coisa em seu canto e ajustar Luma ao sofá que ficava num canto e que parecia nunca ser usado. – Se ver um furacão passando por aqui, deve ser o Yuki... – Ele pensou um pouco. – Mas, se quiser chamar a atenção dele, deve chamar apenas de André.

- Todos aqui têm dois nomes? – Luma perguntou confusa.

- Depende do ponto de vista Furukawa-san. – Antônio sorriu e saiu do campo de visão de Luma. Que loucura.

JET LAG [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora