Cap 1

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– I –

NA CABINE

.....

– Meu editor me mataria, mas não quero essa matéria. O que venho imaginando é do que você precisa? Dedicou sua vida a uma cidade cheia de estranhos. Não estou dizendo que sei como é ser herói, mas... até o borrão mais rápido, não consegue driblar a solidão. Acho que o que estou dizendo é: se alguma vez quiser conversar, totalmente extra-oficial, só estou a uma ligação de distância.

– Vou lembrar disso. E, Lois...

Neste momento há uma falta de energia que deixa boa parte de Metrópolis às escuras, num breu completo.

Clark, entre comovido e surpreso, não só pelas últimas palavras dela, mas com todo o tratamento carinhoso dispensado a ele na manhã seguinte ao tiro, resolveu ousar um pouco. Num piscar de olhos, chegou à cabine e completa, disfarçando a voz:

–... quando eu estiver pronto para revelar meu segredo você será a primeira a saber.

Lois demorou alguns segundos para tomar plena consciência que ele não estava mais do outro lado da linha, mas realmente ali, bloqueando a entrada daquela cabine minúscula. Tão próximo dela que podia sentir não apenas sua presença poderosa, como também um traço de perfume muito suave e discreto, que talvez só tivesse notado porque não adiantava tentar usar sua visão naquela escuridão e seus outros sentidos estivessem mais aguçados para compensar.

Tinha desejado ficar assim tão perto, por tanto tempo, que daria qualquer coisa para um carro passar com os faróis ligados naquele momento e poder ver seu rosto.

Como poucas vezes na vida estava sem saber o que dizer ou fazer. Na verdade, à despeito do que afirmara minutos antes, ardia de curiosidade para fazer uma enquête completa: desde como ele adquirira seus poderes até o que ele fazia nas horas vagas, se é que elas existiam. Mas as palavras simplesmente não saiam. Limitava-se a tentar focalizar algo daquele vulto ao seu lado.

Clark percebeu a surpresa e o nervosismo dela, o fôlego preso, e perguntou:

– Assustei você?

Ela saiu da espécie de transe em que se encontrava, respondendo perplexa:

– Assustada?! Não! Só não esperava vê-lo... quer dizer não posso vê-lo, embora esperasse e....

Clark sorriu, era hilário, pra dizer o mínimo, ver Lois perder o rebolado.

– Foi você quem provocou isso, "RBB"? – ela perguntou recuperando um pouco da sua vivacidade característica, referindo-se à falta de energia.

– "RBB"? – tornou ele, divertido.

– "Red Blue Blur" é comprido demais, lembra?

Clark riu baixinho.

– "RBB" não era bem o que eu tinha imaginado....

Ela sorriu, algo entre sem graça e enfezada, desconfiada de que ele estava se divertindo com sua atrapalhação.

– Bem, preciso de tempo pra achar um melhor, ou – parou um segundo antes de se atrever – de uma inspiração, ou de mais informação...

Não tinha esperado que ele tivesse algum senso de humor. Na verdade, só em seus sonhos mais loucos tinha esperando alguma coisa além de um "olá".

– De tudo que 'não' sei de você, tirando seu altruísmo, só posso chamá-lo de esquivo... – concluiu, provocando.

Clark ainda sorria, meio que fascinado com o jeito dela, quando mais pressentiu, que viu a energia voltando. Seu primeiro pensamento foi o de correr, pra que ela não tivesse tempo de ver seu rosto. Porém não mexeu um músculo, ainda preso ao encantamento das múltiplas facetas daquela mulher geniosa. Apenas pediu:

– Feche os olhos!

Lois obedeceu automaticamente, sem entender o pedido.

À luz fraca que agora invadia a cabine Clark ficou olhando-a com um sorriso bobo no rosto e sua atenção foi desviada pra a boca úmida que ela entreabriu.

Suas lembranças o levaram imediatamente ao celeiro da fazenda, na noite do casamento da Chloe e ao beijo que eles quase haviam trocado e o que tinha acontecido depois. Tudo que havia sentido naquele dia voltou de forma intensa.

Sem pensar muito a respeito e mesmo sabendo que provavelmente ia se arrepender, não resistiu. Baixou a cabeça e a beijou. Pretendia que fosse apenas um leve roçar de lábios, pouco mais que um selinho, mas no momento que suas bocas se encontraram foi dominado por um desejo tão intenso que parecia estar sob a influência de kriptonita vermelha.

Apesar de Lois ter se surpreendido, não abriu os olhos e correspondeu com vontade, largando o fone que ainda segurava, para apoiar ambas as mãos no peito largo, subindo-as lentamente. Seu primeiro pensamento foi "– Alto, muito alto!"

O toque de Lois teve um efeito tão poderoso nos seus sentidos que mandou toda a prudência, receios ou lucidez às favas. Aprofundou o beijo, trazendo-a para bem junto dele, abraçando-a carinhosamente pela cintura com um braço e segurando seu rosto com a outra mão.

Por alguns momentos, Lois apenas desfrutou de sua presença viril que trazia à tona toda sua feminilidade. Parecia tornar-se frágil e delicada, porém isso não a fazia sentir-se submissa, mas protegida como se nada no mundo, físico ou não, fosse capaz de atingi-la enquanto estivesse presa naquele cativeiro deliciosamente doce.

Estavam de tal forma aninhados, a distância entre eles era tão diminuta, que ela seria capaz de sentir o menor movimento de qualquer músculo dele e isso incluía o bater forte de um coração enlouquecido, sob as palmas de suas mãos.

Um suspiro dela trouxe Clark de volta à realidade: "Onde estava com a cabeça?!"

Tão inesperado quanto havia começado, o beijo terminou, com Clark correndo de volta ao telhado de onde ligara pra ela minutos antes.

Estava sem fôlego, e isso nada tinha haver com sua correria. Estava perdido num misto de sensações que não podia comparar com nada que já tivesse vivido com mulher nenhuma, nem mesmo nos seus melhores dias com Lana.

Lembrava dos beijos que havia trocado com Lois dois anos antes, quando estava sob o efeito de kriptonita vermelha. Tinham sido delirantes também, mas atribuía esse fato ao poder do meteorito. Àquele primeiro que ganhara dela, quando se disfarçara para ajudar Oliver, já o tinha deixado sem chão, porém culpara o fator surpresa, pois tinha sido pego completamente desprevenido.

Tentando recuperar o fôlego, continuou a observá-la do alto.

Lois sentiu uma lufada de vento no rosto no momento em que ele interrompeu o contato.

"Covarde" foi o primeiro adjetivo que lhe veio à cabeça. Depois reparou que seu corpo todo pulsava em resposta àquele toque, que podia ter durado somente poucos minutos, mas que tinha deixado um gosto de eternidade na sua boca.

Notou também que estava com as pernas bambas, meio trêmula. Ocorreu a ela um novo poder para o "RBB": sedução. Sorriu frente a este pensamento.

Pegou o fone balançando, esquecido, para colocá-lo de volta no lugar e, sem parar muito para raciocinar, colou-o ao ouvido, porém sem esperança de que ele ainda voltasse a falar com ela. Surpreendeu-se: "– Obrigado, Lois." e a ligação foi cortada.

Ainda pasma, olhou em todas as direções. Era óbvio que ele ainda estava perto o suficiente pra vê-la. No momento em que seus olhos foram atraídos para um vulto recortado contra o céu noturno, num telhado em frente, ele sumiu.

O termo "covarde" veio novamente à sua cabeça.

Desligou o aparelho e se forçou a sair da espécie de torpor em que estava.

Quando chegou em casa, sentou-se no sofá, abraçando uma almofada. Os olhos atraídos irresistivelmente para o telefone.

Teve vontade de ligar para Chloe e contar o fascinante encontro que tivera com RBB. Porém um tipo de recato a impediu. "– Não ainda." Queria refletir e reviver mentalmente aquele contato, sem nenhuma interferência.

No meio da madrugada, ainda rolava na cama, pensando no motivo daquele beijo de efeito devastador, ter também um quê tão familiar. Como se já houvesse experimentado aquela sensação antes, mas que, por algum motivo que desconhecia, só seu subconsciente sabia disso.

continua...

Stiletto - Final AlternativoOnde histórias criam vida. Descubra agora