* * *
SALMO XXVDona Dina cata feijão.
É ato distraído
De atenção treinada.
Revira o esbanjar
De grãos
Que quicam
Sonoros e surdos.
Olha o território
Conquistado à mesa,
Reorganiza os tropeiros:
Apalpa
A cada um...
Bailarão agora olho e mão.
O popular dessa dança
Põe em roda
Quem entende de ter fome
E quem entende de saciar.
Para lá, os feijões maltrapilhos,
Enrugadinhos demais,
Tentando disfarçar a verdade
Sobre si,
Esses pesam
Como pedra no fundo da panela.
Para cá, estes feijõezinhos
De uma simples integridade,
Não se recusam a ferver em vida,
São os que mais abundam,
Dá gosto de vê-los.
No mundo há mais destes
Que dos outros.
Quanto feijão bom neste mundo!
Recolhido de volta à mão,
Outros que, por intuição,
Prontamente retornaram à Terra
E, silenciosos, brotarão em fartura
Só que em corpos de outros...
Dona Dina encerra a tarefa
Na trivial sequencia de um longo dia.
Dona Dina sempre trabalha.
Não sabe ela, mulher anuviada,
Que seu ofício é bisbilhotado
Por Deus,
Que há muito puxou a cadeira
Posta à mesa
E por um diabinho
Encrustado no quintal.
Esta senhora
não é assim ingênua,
Tem consigo
O trejeito espiritual
Intentado por anjos:
Dedilha e discrimina,
Com sutil indiferença,
O descarte do mal,
A reverência do bem
E o ousadia do melhor.
E nós,
Gurus religiosos,
Sem asas e de terços tortos,
Em vão escrevemos livros.
Que ninharia!
Dona Dina,
Dei-me cá alguns feijões,
Na minha reza
Descobri:
Deus também é cozinheiro!- Ismália de Magdala.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Salmos de Madalena
PoetryEssa coletânea de poemas intenta ser uma Ode ao feminino e a sua estreita relação com o Transcendente. Deus não é homem nem mulher, mas certamente traz em si - e no-lo dá a revelar - o que tem e gera de feminino e, por naturalidade, as mulheres tran...