BEM-AVENTURANÇAS

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* * *SALMOS XXXIV

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SALMOS XXXIV

Eu vi quando Jesus Irmão Nosso
Subiu no púlpito e fez sua prece:

"Dá-me outro medo, Senhor.
Não este; este não.
Peço-te isto como rezo o credo.
Deus de nome Deus.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
Dá-me o medo dos pobres,
Não o medo dos ricaços.
O medo despido, ignorante a adornos,
Que te roga tremulante dependência.
Sim, este medo pisoteado,
Passagem livre a Ti,
Amigo da vida imérita.
Não àquele medo trancafiado com o tudo do mundo,
Esmagando quem dorme ao chão.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
O medo dos mansos,
Não o medo uivante de ira antiga.
O medo zelado no passo contado,
Airoso de humildade,
De mãos trêmulas em normal
E que assossega na paciência,
Esta que passeia, mas não passa.
Afugenta o medo destroçador,
Empunhado,
Semicerrado em voz,
Cercador dos campos verdes,
Porém infértil ao joio e trigo.
Sim, este medo esquecido do impulso que golpeia.
Não àquele medo que rosna o domínio armado.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
O medo que chora,
Não o que faz gargalhar.
Um choro saudoso,
Velho na sua incompreensão,
Soluçado em vírgulas,
Sem saber de pontos finais,
Amparado na graça de tuas reticências...
O choro comovente de ternura.
Livrai-me deste medo desenhado
Em escárnio de dentes,
Risonhas lisonjas
E gozando o pus dos descartados de alegria.
Sim, este medo de choro doído de arfar e rezar.
Não àquele medo amordaçado em sorrisos,
Ocultando a hipocrisia de ossos intolerantes.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
Dá-me o medo de quem tem fome e sede,
Não o medo dos glutões.
Dá-me o medo orfanado deste mundo
Que pede e clama sem pudor,
o medo com fome que apressa a coragem
E o medo com sede que não hesita ousar.
Medo carnal, do instinto mais abissal,
Colérico de inconformado.
Tirai-me o medo em fartura lenta,
O medo mórbido da sacies engessada
E dada a morrer negando quem da podridão da morte come.
Sim, este medo enojado das migalhas,
Que ataca como mãe a socorrer filhos seus.
Não àquele medo do pão-pedinte que bate à porta,
Medo viril e vim que se tem da fêmea livre e sem gaiola.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
Dá-me o medo dos compadecidos,
Não o dos impiedosos e poderosos.
O medo dos tropeçantes,
De joelhos feridos e arranhados das quedas,
Envergonhados de mãos sobre o rosto
E suplicando ver.
Não o medo dos inabaláveis,
Elogiáveis, sóis ante o Sol,
De sombra que não refresca,
Mas encarcera e pune.
Sim, este medo lacrimejante desde a espinha,
Desejando voltar, rogando companhia.
Não àquele medo de olhos secos,
que encaram e piscam
Sem ter em miríade a entranha de outros.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
Dá-me o medo dos puros de coração,
Não o dos olhos toldados de maldade.
Dá-me é o medo de perder-se do brilho que subjaz no mundo,
Medo de cegar-sr aos beijos apaixonados deste mundo.
Quero um medo ingênuo de matuta beleza improvada,
Saboreada nos olhos de dentro.
Não o medo do desdouro permissivo de julgamentos,
Decompondo húmus, 'pantanando' almas.
Sim, este medo encontrado na nudez cândida.
Não àquele medo que descama e nos veste.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
Dá-me o medo dos pacificadores,
Não o dos carniceiros.
O medo que se descostura na agulha da luz,
A pacífica luz das coisas instintivas.
Não o medo talhador de matilhas caçadoras,
De sacerdote de beligerantes preces,
O condenador medo do ato que respira.
Sim, este medo de furta-cor apaziguadora,
Hasteado no arco-íris de tua benção.
Não àquele medo tecelã da palidez mortífera.

Dá-me outro medo.
Não este; este não.
O medo dos perseguidos,
Jamais o medo chicoteador.
O medo dos expatriados,
Abolidos das gentes,
Dos de barba e batom,
Do sexo cantante em profecia.
O medo gestado em fronteiras,
Dos feridos da universal cidadania da vida.
Não o medo sulforoso,
Algoz ácido do cáustico minério da justiça,
Enlaçado porque preso em negação libertária.
Sim, este medo nos últimos vislumbres heroicos.
Não àquele medo labrador,
afocinhado na esperança.

Dá-me outros medos,
Não estes; estes não.
Deus de nome Deus.
Medos outonais,
Para que possais 'primaverar-me'.
Sim, bem-aventurados os que outonam seus medos,
Serão como folhas secas,
A cair no solado do mundo, Decompondo-se.
Bem-aventurados sois vós quando,
Como folhas,
Não tendes mais este medo de sorver,
Ceivarão a vida terra e carne adentro.

Dá-me, Senhor dos rebaixados, o teu medo,
Caminhante à Cruz para as cruzes derrubar.
Outonado do madeiro, que germine livre este país,
Num túmulo vazio,
Sem linhos a cobrir mais ninguém."

- Marielle Franco de Magdala.

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