Assim, de ponte em ponte, discursando
Do que nesta comédia se não cura,
De outro arco acima nos subimos, quando
Detemo-nos por ver a cava escura,
Por ouvir de outros prantos vão sonido;
Com pasmo olhei a hórrida negrura,
No arsenal de Veneza, derretido
Como referve o pez na estação fria
Para reparo ao lenho combalido,
Incapaz de vogar: qual com mestria
Baixel novo constrói; qual alcatroa
O que teve em viagens avaria;
Qual pregos bate à popa qual à proa;
Qual remos faz, qual linho torce ou parte;
Qual mezena e artemão aperfeiçoa:
Assim, por fogo não, por divina arte
Betume espesso, ao fundo refervia,
As bordas enviscando em toda parte.
Mas no pez só na tona eu distinguia
Borbulhão, que a fervura levantava,
Que ora inchava, ora rápido abatia.
No fundo enquanto os olhos eu fitava,
Exclamando Virgílio: — Eia! Cuidado! —
Para si donde eu era me tirava.
Voltei-me então como homem, que apressado
É por saber o que fugir convenha,
De súbito pavor sendo atalhado,
Olha sem que por isso se detenha.
E logo atrás de nós eu vi correndo
Negro demônio sobre aquela penha.
Ah! que aspecto feroz! Ah! quanto horrendo
Nos meneios parece e temeroso,
Veloz nos pés e as asas estendendo!
No dorso agudo e enorme um criminoso,
Escarranchado, em peso, carregava:
Dos pés prendia o nervo ao desditoso.
— "Malebranche!" já perto ele bradava —
— "Eis um dos anciões de S. Zita!
Mergulhai-o, pois torna à gente prava,
"Que nessa terra em grande soma habita.
Venais todos lá são menos Bonturo.
O no, por ouro, lá se muda em ita".
Ao pez o arroja, e pelo escolho duro
Se torna: após ladrão tanto apressado
Não vai mastim, que estava antes seguro:
O maldito afundou; surdiu curvado.
Sob a ponte os demônios lhe gritaram:
— "Não acharás aqui Vulto Sagrado,
"Nem banhos, quais no Serchio se deparam.
Se não queres no pez'star irnergido.
A te espetar as fisgas se preparam". —