Em silêncio, a companha má deixada,
Seguíamos, após um do outro andando,
Como frades menores em jornada.
Meu pensamento à rixa se voltando,
A fábula de Esopo relembrava,
Em que ao rato arma a rã laço nefando.
Se aqueles casos dois eu confrontava,
Como issa e mo, iguais me pareciam,
Quando o princípio e fim seus recordava.
E, como os pensamentos se associam,
Outros logo daquele me brotaram,
Que em dobrado temor a alma envolviam.
Pensava: — esses demônios que passaram,
Por causa nossa, tal vergonha e dano,
Do fato certamente se enojaram.
Se a maldade agravar rancor insano,
Eles no encalço nos virão ferozes,
Qual cão, que a lebre aboca enfim no plano.
Aguardando os horríficos algozes,
Arrepiam-se as carnes e o cabelo.
— "Ó Mestre meu, as garras temo atrozes!"
Exclamo. — "Ache depressa o teu desvelo
Para nós contra o bando amparo e abrigo.
Após os passos nossos cuido vê-lo".
"Se espelho ou fora, a imagem tua, amigo,
Tanto não refletira claramente,
Quanto às ideias na tua alma sigo.
"Agora iguais me estão surgindo à mente,
Concordes tanto nas feições, em tudo,
Que um parecer entre ambos há somente.
"À destra inclina a encosta, ou eu me iludo:
Por lá baixando à mais vizinha cava,
Teremos contra assaltos seus escudo".
Não acabava, quando a turba prava
Assoma: de asas pandas se enviando
Contra nós, não mui longe a divisava.
De súbito nos braços me tomando,
Qual mãe, que ao despertar se vê cercada
De furiosas flamas, e, apertando
Ao seio o filho, foge acelerada,
E ao pudor véus esquece angustiosa,
Só por salvar aquela prenda amada:
Lá do cimo da riba alta e fragosa
Resvala o Mestre pela penha dura,
Muralha de outra cava tenebrosa.
Água não corre mais veloz da altura
Por canal a impulsar de engenho a roda,
Quando, vizinha aos cubos, se apressura,
Do que a descer o Guia meu se açoda,
Como a filho estreitando-me ao seu peito,
Não como a companheiro a quem se engoda.