A par, como dois bois, que o jugo unira,
Eu com essa alma opressa e titubeante
Ia, enquanto Virgílio permitira.
Eis disse-me: — "Deixando-a, segue avante:
Deve fazer de vela e remos força
Quem quer à parca impulso dar constante". —
A caminhar dispus-me à voz, que esforça,
Erguendo logo o corpo, inda que a mente
Na humildade a modéstia acurve e estorça,
Já os pés acelero e facilmente
A Virgílio acompanho: de porfia,
Se mostra cada qual mais diligente.
— "À terra olhos inclina" — então dizia —
"Para a jornada aligeirar atenta
No solo, onde o meu passo aos teus é guia".
Assim como na campa se aviventa
A memória dos mortos, insculpindo
Imagem; que a existência representa,
Que de saudade os corações ferindo,
À piedade propensos e à ternura,
Os vai ao pranto muita vez pungindo:
Assim, com perfeição sublime e pura,
Figuras via sobre aquela estrada,
Que sobe, serpeando, pela altura.
Via, a um lado, dos céus precipitada
Das criaturas a mais bela e nobre,
Qual raio, pelo espaço arremessada.
A vista, o outro, Briaréu descobre
De projétil celeste transpassado:
Gélido a terra desmedido cobre.
Com Marte e Palas 'stava figurado
Timbreu, em torno ao pai de armas fornidos,
Vendo o campo de imigos alastrado.
Nemrod olhos volvia espavoridos,
Junto à feitura imensa, aos companheiros,
Que a Sanaar seguiram-no, descridos.
Ó Níobe, com braços verdadeiros
Que dor nos olhos teus aparecia,
Os filhos mortos vendo, quais cordeiros!
Saul, a própria espada te extinguia
Sobre a montanha Gelboé — maldita,
Orvalho ou chuva ali não mais caía.
Ó louca Aracne, tua face aflita,
De aranha parte entre os destroços 'stava
Da teia, origem da fatal desdita.
Não mais a tua imagem cominava;
Num carro foges, Roboam cruento,
À fúria popular, que te assombrava.
Mostrava ainda o duro pavimento
Como fez Alcmeon pagar tão caro
À mãe o funestíssimo ornamento.