Não 'stava ainda Nesso do outro lado,
Quando nós por um bosque penetramos,
Dos vestígios de passos não marcado.
Não fronde verde, mas escura, ramos
Não lisos, mas travados e nodosos,
Não pomos, puas com veneno achamos.
Por silvados mais densos, mais umbrosos,
Do Cecina a Corneto, a besta brava,
Não foge, agros deixando deleitosos.
Das Harpias o bando aqui pousava.
Que expeliram de Strófade os Troianos,
Vaticinando o mal, que os aguardava.
Asas têm largas, colo e rosto humanos,
Garras nos pés, plumoso o ventre enorme,
Soam na selva os uivos seus insanos.
E disse o Mestre: "Convém já te informe
Que o recinto segundo vais entrando,
Onde verás'spetáculo disforme,
"Até que ao areal chegues infando.
Atenta! E darás fé à narrativa,
Que fiz, ainda lá no mundo estando".
Em toda parte ouvi grita aflitiva:
Como não via quem assim gemesse,
Parei e a torvação se fez mais viva.
Creio que o Mestre cria então que eu cresse
Que esses lamentos enviava aos ares
Uma turba, que aos olhos se escondesse;
Pois disse-me: "De um tronco se quebrares
Um só raminho, ficarás ciente
Desse erro em que se enleiam teus pensares". —
O braço estendo então e prontamente
Vergôntea quebro. O tronco, assim ferido
"Por que razão me arrancas?" diz fremente.
De sangue negro o ramo já tingido,
"Por que me rompes?" — prosseguiu gemendo —
"Assomos de piedade nunca hás tido?" —
"Fui homem, hoje o lenho, que estás vendo!
Mais compassiva a tua mão seria
Se alma aqui fosse de um dragão tremendo".
Como acha verde, quando se incendia
Numa extremo se estorce, no outro estala,
Chiando e a umidade fora envia:
Daquela árvore assim brotava a fala,
E o sangue; a minha mão já desprendera
O ramo, e, entanto, o horror no peito cala.
"Se de antes ele acreditar pudera"
Lhe torna o sábio Mestre "alma agravada,
O que eu nos versos meus lhe descrevera,
"Por te ferir sua mão não fora alçada.
Não crera eu mesmo, e tanto que o induzira
Ao feito, que me pesa e desagrada.