Benévolo querer, que significa
Sempre esse amor, que a caridade inspira,
Como a cobiça o mau querer indica,
Silêncio pondo àquela doce lira;
Os sons às cordas santas suspendida,
Que lá do céu a destra afrouxa e estira.
Como aos claros espíritos seria
Em vão meu justo rogo, se excitá-lo
De acordo se calando, lhes prazia?
Ah! pranteie sem tréguas e intervalo
Quem, do amor transitório cativado,
Pôde do amor eterno avantajá-lo!
Como o sereno azul, atravessado
Às vezes é por fogo repentino,
Que aos olhos nos salteia inesperado;
Disséreis astro a procurar destino,
Se algum faltasse à parte, onde se acende
Esse instantâneo lume peregrino:
Assim do braço, que à direita estende,
Da cruz ao pé vi deslizar um astro
Dessa constelação, que ali resplende.
Não desfiou-se a per'la do seu nastro;
Pela brilhante linha descendera,
Como fogo a luzir sob o alabastro.
De Anquise a sombra pia assim correra,
Se fé merece a Mantuana Musa,
Quando Eneias do Elísio aparecera.
"O sanguis meus! O superinfusa
Gratia Dei; sicut tibi cui
Bis unquam coeli janua reclusa?"
Minha atenção na luz, que o diz, se imbui;
Voltei depois pra Beatriz o viso;
Aqui e ali estupefato eu fui.
Nos olhos seus ardia um tal sorriso,
Que, encarando-a cuidei tocar o fundo
De ventura no eterno Paraíso,
E esse esp'rito, a se ver e ouvir jucundo,
Vozes aduz, que a mente não compreende,
Tanto o sentido seu era profundo.
Andrede a obscuro o seu dizer não tende;
Mas por necessidade o seu conceito
Além da esfera dos mortais ascende.
Quando o arco afrouxou do ardente afeito,
E em proporção do humano entendimento
Do seu falar manifestou-se o efeito,
Pude estas vozes distinguir, atento:
"Bendito sejas, Deus, Um na Trindade,
Que à prole minha dás tão alto alento!
"Meu longo e caro anelo, na verdade
Dês que no grande livro hei ler podido,
Imutável na sua eternidade,