Capítulo III

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- Willow, importas-te de chegar aqui? - gritou a minha mãe, da sala. O tom de voz dela estava monocórdico. A minha irmã gagueja algo parecido com "já vou" e levanta-se da cadeira, deixando um problema matemático a meio. Desde do meu acidente que sentia uma aura de medo à volta da minha irmã.

Já se tinham passado cinco dias e a minha mãe ainda não tinha ultrapassado o choque de eu ter morrido. Sempre que a via a passar em frente à porta fechada do meu quarto, o mesmo acontecia. Ela tentava sempre abrir a porta, que tinha sido trancada, apercebia-se de que não me ia ver lá dentro e lentamente seguia caminho, soluçando baixinho. No entanto, em frente da minha irmã ela não denotava qualquer tipo de emoções. Todas as conversas que as duas tinham tido até agora encontravam-se no patamar dos "passas-me os espinafres?".

- O quê que eu te disse sobre deixares os teus ténis à porta? - pergunta a mãe, no mesmo tom vazio de há bocado.

- Hum... tu disseste que... - sussurra Willow.

- Eu disse o quê? - apesar de ainda desprovido de qualquer sentimento, os decibéis da conversa estavam a aumentar.

- Disseste para não... para não os deixar à entrada. - diz a minha irmã, com a cabeça baixa.

- E o quê que tu fizeste? 

- Eu... eu deixei-os... eu deixei-os à entrada. - a cabeça dela não se levantava e o seu olhar estava fixo nos sapatos em questão.

De repente a mão da minha mãe voa até à bochecha de Willow, provocando um doloroso estalo. Depois, com os seus dedos finos e longos, ela agarra o queixo da minha irmã mais nova e faz com que os seus olhares se cruzem.

- Olha para mim quando falo contigo! - grita. 

Obviamente em sofrimento, a cara de Willow contorce-se e ela acena fracamente com a cabeça. A minha mãe berra palavras soltas enquanto pressiona o queixo da filha nas mãos, até as pontas dos seus dedos estarem tão brancas como as de um morto. Num movimento inesperado, ela faz girar a cabeça da minha irmã e atira-a para a esquerda. Lágrimas preenchiam o olhar de ambas, até que os gritos de Willow deixaram de se ouvir quando a sua testa embateu na parede e ela caiu no chão, inerte. Sendo apenas uma espectatora na situação, nada podia fazer sem ser chorar também, tapando a cara com as mãos.

Agora com longos rios de lágrimas a regarem-lhe as bochechas, a minha mãe encolhe-se, encaixando a cabeça entre os joelhos e pronunciando algo parecido com uma frase, no meio dos soluços.

- Devias... tu... Devias ter sido... sido tu.

Enquanto ela continuava a repetir a mesma frase, a minha irmã não se mexia. Um corte na testa, feita no impacto com a parede, sangrava, deixando uma pequena poça no chão. Tomada pela raiva, começo a gritar, sabendo que ninguém me iria ouvir. Ninguém me conseguia ouvir gritar pela minha irmã.

Porquê que ela não se mexia? Mexe-te, tu estás bem, tens de te levantar, dizia-lhe eu mentalmente. Tens de te levantar, como sempre!! Já passaste por tanto, e sempre te levantaste, não podes mudar agora...

Quando a minha cara já estava totalmente encharcada das lágrimas e eu decido parar, reparo que a minha mãe levantara a cabeça e já não estava a soluçar. Em vez disso, olhava fixamente para onde eu permanecia. Por um momento, pensei que ela me via, que tinha sido tudo um sonho mau, que ela me ia abraçar e beijar-me a testa e dizer-me que estava tudo bem e que tinha sido tudo a minha imaginação. Ia dizer-me que a Willow estava bem... Sim, claro. Tudo faz sentido agora. Isto é tudo um sonho muito comprido, porque é de noite e está tudo bem e amanhã ao pequeno-almoço eu vou contar-lhes o meu sonho maluco e elas vão rir-se da minha imaginação fértil. Eu e a Willow? Mortas? Claro que não, isso deve ter vindo do livro que eu li antes de me deitar. Eu e a minha imaginação, mais uma vez... Como podia sequer pensar que uma coisa como esta podia ser verdade?

Mas ela não fez nada disso. Pelo contrário, ela levantou-se e perscrutou em volta, com receio no seu olhar.

Primeiro, não entendo, mas, depois de olhar em volta, percebo. Ao meu redor, tudo o que se via era destruição. Pratos partidos, água a esguichar das torneiras tiradas. As portas dos armários tinham sido arrancadas e a comida ou utensílios dentro destes estavam pelo chão, espalhados. Demoro um pouco a chegar à conclusão de como tinha aquilo acontecido, mas, depois, apercebo-me. Toda a minha raiva contra a minha mãe, toda a tristeza acumulada em mim... Havia-se libertado, e da pior forma possível. Eu tinha feito aquilo. E isto não é sonho nenhum. Nada é. A minha morte, a da Willow... Tudo o que quero é estar fora dali, fora daquela confusão interminável.

Desmaterializo-me.

Não sei quanto tempo passou desde aí. A minha noção do tempo perde-se quando se tem acesso a tudo o que está a acontecer a cada segundo. No entanto, assim que me decido a sair daquele isolamento propositado, sinto uma força puxar-me.

Antes que me aperceba do que se havia passado, estou numa sala de paredes brancas. Tem gavetas prateadas nas paredes e parece imaculada, como se ninguém vivesse ali. Quando me viro, vejo a minha mãe e outra pessoa. Um homem. Olhando para baixo... Olhando para baixo está um corpo pequeno, deitado numa maca também prateada. Willow, penso instantaneamente, apesar de o meu subconsciente querer desesperadamente que seja mentira.

Mas eu não estava errada. O seu corpo pálido jazia ali. Os lábios dela estavam roxos, como se ela estivesse com frio. Queria agarrá-la, abraçá-la, tirar-lhe o frio, mas não podia.

De repente, toda a raiva voltou, incontrolável. As lágrimas inundaram-me o rosto de novo e grito em direção à minha mãe, por entre soluços.

- Eu... Eu vou matar-te! Como te atreves? Como...

- Evelyn. - ouço, vindo do outro lado da sala. - Não.

Abro a boca em espanto, tentando perceber se aquilo que estava a ouvir era mesmo real. Viro a cabeça devagar, com medo de estar a ter uma alucinação, e lá estava ela. A minha irmã.

- Willow?

- Tens de a perdoar. Não foi culpa dela. - disse-me ela, com uma expressão serena no olhar. Nunca a tinha visto assim antes. - Já estava tudo pré destinado.

- O que...

No entanto, antes que pudesse acabar a frase, ela virou-se de costas e começou a andar em direção a algo. A Luz.

- Não, não, não! - grito. - Tu tens de ficar comigo! Tens de ficar aqui comigo!

Já não servia de nada. Ela já se tinha ido embora. Rasgo o ar com as mãos, tentando inutilmente encontrar alguma entrada, um fecho que me levasse para o outro lado. Ela tinha-me deixado. Estava para lá da Luz, agora. E eu continuava aqui.

Fecho os olhos com força e quando dou por isso, estou no quarto do Brad, em frente à sua cama. Ele estava a dormir. Nem tinha reparado que já era de noite.

Abano-lhe o ombro, sem sequer me preocupar com o estar a acordar. A primeira coisa que ele vê é o meu rosto lavado em lágrimas. Os seus olhos ficaram imediatamente alerta, apesar de ele ainda estar ensonado.

- Ev... Evelyn, o que se passa? - pergunta o Brad, com a voz rouca. Praticamente nem o ouço.

- Ela... ela matou-a! - respondo entre soluços. - E... el... ela estava no chão,  e eu não podia fazer nada, desculpa... desculpa... Eu queria ajudar, eu juro que queria, mas não conseguia... só fiquei lá a ver e... e...

O Brad senta-se na cama e agarra-me pelos braços, fazendo-me calar. Depois, com a sua voz calma e uma expressão que me confortava no olhar, diz:

- Evelyn, não estou a perceber uma palavra daquilo que estás a dizer. - com o polegar, ele tenta parar o fluxo de lágrimas que teimava em sair dos meus olhos. - Explica, por favor, com calma. Respira fundo... - fiz como ele me disse. - e acalma-te.

Assim, com a mão dele sempre a segurar a minha, consegui contar-lhe de uma maneira mais fácil o que tinha acontecido. Quando acabei, a expressão na face do rapaz à minha frente era de puro horror.

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