Prólogo

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A luz ofusca-me assim que abro os olhos. Por um momento, penso que estou cega, mas esse pensamento rapidamente se dissipa quando a luminosidade começa a desaparecer da minha visão e distingo algumas figuras difusas. A primeira coisa que vejo naquele mundo ligeiramente brilhante de mais é o caos. Uma multidão amontoava-se no meio de uma estrada, a assistir a algum espetáculo macabro de sangue e vísceras. Uma sirene de ambulância ouve-se, algures, longe.

Chego-me mais perto das pessoas que se juntavam no meio da estrada, mas no momento em que os meus olhos pousam naquilo que toda a gente estava a ver, quero virar-me e fugir. No entanto, alguma parte masoquista em mim luta contra esse desejo e olho de novo.

Sangue. A rua estava coberta com aquela substância estranha e viscosa. Não era vermelha, como nos filmes - na realidade, aproximava-se mais do preto, ou até mesmo castanho. Uma rapariga estava caída no meio a estrada, envolta naquela mistura. O seu cabelo, que se tinha transformado numa espécie de papa, tapava-lhe a cara e estava escurecido pelo sangue, mas eu presumi que seria ruivo, quando seco. Naquele momento estava apenas preto.

Encontro-me a pensar no seu horrível destino. A vida arrancada das suas mãos, privada de tudo aquilo que ainda teria por ver. Ela parecia ser da minha idade. Ainda não tinha vivido nem metade da vida, e agora esta tinha-lhe sido tirada por algum condutor irresponsável que nem se deu ao trabalho se ver se estava bem. As marcas de pneus no chão sugeriam isso, e eu não conseguia deixar de ficar zangada. Tento aproximar-me, ver se ela está bem, mas todas aquelas pessoas bloqueavam-me o caminho.

Um carro chega ao local. Uma ambulância. Paramédicos correm, tentando chegar à rapariga, que continuava estendida no chão. Sentia-me estranhamente ligada a ela. Queria que ela sobrevivesse, apesar de não a conhecer. Talvez ainda houvesse esperança.

Assim que eles chegam perto dela, todos se calam, quer por medo, quer por admiração. Alguns deles tentavam sentir-lhe a pulsação ou ver a sua respiração, sem sucesso. Tentaram reanimá-la. Depois daquilo que me pareceu uma eternidade, os paramédicos decidiram transportá-la para a ambulância. Não devia ser bom sinal.

Pude finalmente ver a cara dela, quando a pasta em que o seu cabelo se tinha tornado se moveu para longe da sua face. O que vi fez-me querer fugir pela segunda vez naquele dia. Não era possível. Como?

A rapariga era eu. O seu nariz, os seus lábios, os seus olhos. Os meus olhos. Ela tinha o meu corpo. Mas isso não era possível. Demorei a perceber aquilo que se estava a passar. Não acreditava naquilo que via, mas, depois de um momento de confusão, finalmente percebi porquê que ninguém tinha olhado diretamente para mim desde que tinha chegado lá. Percebi porquê que não me lembrava sequer de como tinha ali chegado. Porquê que me sentia ligada à rapariga. Porque...

Porque eu era aquela rapariga e, tal como ela, eu estava... morta.

Mas isso era impossível. Se eu estava morta, não deveria ir para o Céu ou o Inferno? Reencarnar noutra pessoa? Talvez até não ir para lado nenhum? Eu não podia estar morta. Especialmente, não agora. Tinha a minha vida toda pela frente. Não era possível acabar tudo assim, de um momento para o outro.

Não podia ser. Simplesmente não podia. Eu não podia, não queria. E a minha irmã? Não a ia ver mais? Não ia poder falar com ela? Não estava pronta para encarar esse facto. Sinto ondas de raiva a trespassar-me. Estava morta, e a culpa era de alguém. Algum condutor bêbado.

Olho em redor. A multidão dispersava-se lentamente, mas um rapaz permanecia firmemente no mesmo lugar, os seus olhos fixos num lugar distante. Para além de uma aparência normal de um rapaz de 20 anos, sensivelmente, havia algo de diferente acerca dele. Uma estranha aura envolvia-o, como se todo ele fosse feito de luz. Ele era o único naquele local com aquela estranha luminosidade, e, devido a isso, não conseguia parar de olhar para ele.

Ele irradiava paz, de uma maneira inexplicável. De repente, nada daquilo que tinha acontecido importava. Percebi que já não era importante. Percebi que, por mais que tentassem, os paramédicos não iam conseguir salvar aquela rapariga. Porque ela estava morta. Permanente e irremediavelmente morta.

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