Capítulo V

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- Estás pronta? - perguntou ele quando estávamos quase a chegar a minha casa.

- Porquê que me estás a perguntar isso a mim? Não sou eu que vou fazer figura de parva daqui a uns minutos. - respondi, encolhendo os ombros. - Eu conheço a minha mãe, está bem? Ela não vai... acreditar que eu estou aqui. - na realidade, ia dizer "vai querer". Ela sempre controlou a minha vida, por isso, porque não controlar a morte também?

- Ei, vai correr tudo bem. - disse ele, apertando de leve os meus ombros. Descobrimos ontem que, embora ilogicamente, ele me conseguia tocar. - E se não correr, sou eu que vou ser internado num manicómio, não tu.

Não pude deixar de rir com a ideia.

- Ok, vamos lá. - disse eu, depois de respirar fundo.

Ele tocou à campainha. Passados uns segundos, a minha mãe veio abrir a porta.

- Se veio aqui para me dar os seus pêsames, acho que já é um pouco tarde para isso. - disse ela, desinteressada e quase cuspindo as palavras.

- Ah... Bem... na verdade, eu queria... ah... - O Brad não sabia muito bem o que dizer, ou por onde começar.

- Vai direto ao assunto. - disse eu suavemente, tocando-lhe no braço. Senti-o estremecer.

- Vai falar ou não? - replicou a minha mãe. - Tenho coisas mais importantes a fazer.

Não pude controlar o meu suspiro cansado. Ela não tinha mudado nem um pouco com a minha morte. Não que eu esperasse isso, claro.

O Brad respirou fundo e quase gritou:

- A Evelyn continua aqui.

- Perdão? - pelo menos já lhe tinha captado a atenção, apesar de o olhar chocado e indignado estivesse esculpido na cara da minha mãe. - Está a dizer que a minha filha, que eu própria vi ser enterrada, continua... aqui?

- Sim. Bem, não. Não exatamente.

- Entre. - ainda chocada, a minha mãe afastou-se da porta para lhe dar passagem e afundou-se no sofá.

- Bem... como é que eu explico? - disse num sussurro, mais para ele do que para mim.

Resolvi responder à mesma:

- Diz-lhe que vês fantasmas e que me vês a mim, porque eu ainda não passei para a luz. Explica-lhe tudo e pronto.

E foi isso que ele fez. Explicou tudo, sobre ver fantasmas, e eles virem ter com ele quando precisavam de ajuda à minha mãe que, admirada demais para dizer alguma coisa, deixou-o falar sem o interromper.

Depois disso, passou para a minha parte da história:

- Encontrei a Evelyn no dia do acidente. Nem sei muito bem porquê que estava lá. - confessou ele. - Mas resumindo, ela contou-me tudo o que se passou na vida dela e eu acho que para ela passar para a luz você e ela têm de se perdoar uma à outra.

As sobrancelhas da minha mãe juntaram-se e ela não pode passar mais tempo calada:

- Porquê que eu a tenho de perdoar? Tudo o que eu fiz foi para o seu próprio bem. - ela disse calmamente. - Por isso, não, eu não a perdoo.

Não consegui controlar a minha fúria. Fechei os punhos com força e contraí os músculos das costas. "Oh, se eu estivesse viva", pensei, "Se eu estivesse viva ias parar ao hospital". De repente, grossas lágrimas caíram pelo meu rosto. Eu já não estava viva. Eu morri, mas preferia mil vezes que isso tivesse acontecido à minha mãe. Estava a ser egoísta, mas não queria saber. Quem me dera que fosse ela a estar no meu lugar.

Quando me dei conta, a minha mãe estava agachada no chão com pratos partidos à sua volta. Porquê que o Brad tinha feito isto? Procurei-o na sala, e ali estava ele, quase encostado ao chão, com os braços a proteger a cabeça e a olhar para mim com ar espantado. Não foi ele que atirou os pratos contra a minha mãe? Então isso que dizer que... fui eu? Como?

- SAIA IMEDIATAMENTE DA MINHA CASA! - berrou a minha mãe quando percebeu que o perigo acabara.

Assim que saímos, o Brad disse, sem olhar para mim:

- Tens de te aprender a controlar. Podias ter matado alguém ali dentro.

- Se calhar era isso que eu queria fazer. - ripostei, olhando-o nos olhos, em sinal de desafio, desmaterializando-me logo de seguida, para acabar com a conversa.

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