Sozinho na escuridão.

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Ashley correu até a janela escancarada, sentindo o gélido ar noturno colidindo contra o rosto pálido. Os cabelos ruivos moviam-se sem sincronia alguma, vez por outra atingindo-lhe a face, enquanto a moça se encolhia um pouco, fixando os olhos claros ao lado de fora.
Continuava buscando pela janela qualquer forma de escalar. E, no entanto, pôde chegar à conclusão de que era simplesmente impossível. — É muito alto, para escalar. Não teria como o Josh chegar até aqui, Sam. —  Ashley afirmou, fechando as persianas com o trinco, repetindo o ato com a parte envidraçada da janela.
Mas a lembrança do sonho que tivera na semana anterior, fizera com que Sam sentisse um arrepio de medo lhe percorrer a espinha. 

— Seria possível, se ele tivesse se tornado um Wendigo. — Disse a loira, abraçando o filho contra si, enquanto fitava Ashley.

Pela escuridão dos tuneis que levavam à mina desativada, ele caminhava com certa dificuldade, arrastando a perna direita. A mão destra era apoiada contra o braço esquerdo devido a uma dor forte que sentia ali, pela violência com a qual fora jogado em cima de uma das prateleiras do quarto, a qual quebrara com o impacto causado pelo peso de seu corpo.
Os pés afundavam pelas poças abundantes, enquanto ainda mancava.
Dor? Há quanto tempo não sentia isso? Não conseguia se lembrar com exatidão, a última vez que uma pancada lhe havia trazido aquela sensação incômoda. Mas havia uma vaga lembrança, de que a última vez que sentira dor, fora naquele mesmo lugar onde agora havia o novo chalé, há quatro anos atrás.
Dali em diante, as dores físicas passaram a não existir mais, dando lugar apenas a dor emocional, causada por lembranças felizes que lhe doíam de uma forma absurda.
Ela estava tão bonita... Não havia mudado absolutamente nada, desde a última vez em que a vira.
Tinha sido tão bom poder revê-la através daquela janela embaçada; ainda que fosse tão rápido. Só em vislumbrar seu rosto novamente, mesmo que por segundos ínfimos, pôde se sentir vivo de novo, agitado, algo que não sentia há muito tempo.

Ela ainda tinha um rosto tão bem feito, tão lindo. Enquanto o seu... Tocou a própria face com ambas as mãos, podendo sentir aquela fileira de dentes pontiagudos que surgiam pela fenda lateral que havia da boca até a bochecha. E também pôde sentir contra a pele gelada e áspera de seu rosto, as unhas enormes e extremamente afiadas. 

No que havia se tornado? O que fizera consigo mesmo? Realmente havia valido a pena ter se perdido apenas por uma vingança? Havia valido a pena perdê-la?
Tudo parecia tão confuso. Talvez a confusão toda fosse por não ter perdido sua humanidade, visto que a transformação não havia sido completa. Já não era mais totalmente humano, mas também não era um Wendigo como os demais. Era apenas uma peça desforme, algo incompleto, vivendo embrenhado pela escuridão absurda e matando animais para sobreviver.
Talvez tivesse achado a paz dentro de si, ou se acostumado ao vazio. Mas tudo isso caiu, como as folhas secas caem no outono quando viu Samantha novamente. 

— Droga, Sam! — Dizia entre um urro doloroso, apertando o braço ferido, encolhendo o próprio corpo, como se quisesse afastar de si toda aquela confusão.
No que ela estava pensando, quando decidiu voltar lá, ainda mais trazendo uma criança consigo? Ela sabia da existência daquelas criaturas na montanha. É claro que sabia! Então por que diabos ela voltou ali?! Por sorte ele estava espeitando o chalé e conseguiu proteger o garoto. Não foi fácil arrastar aquele Wendigo para fora do quarto e arrancar-lhe a cabeça. Mas não iria permitir que aquela criança virasse jantar daquela criatura faminta.

O ferimento no braço ainda sangrava e ele teve que rasgar a manga da própria camisa totalmente puída, para estancar o sangramento.
Sentou-se sobre uma pedra coberta de limo, ainda envolvendo o braço com a tira do tecido imundo, fazendo um torniquete improvisado.
Vez por outra soltava um urro doloroso, conforme o tecido apertava sobre o corte, ao qual tentava a todo custo manter fechado. E, enquanto fazia isso, pôde se lembrar de uma forma dolorosa, sobre como Sam o tratava quando se machucava.

Ainda sinto nossa ligação. (Until Dawn - Josh and Sam)Onde histórias criam vida. Descubra agora