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Levanto da cama com todo o cuidado para não acordar o menino que nem sei o nome. Ele está jogado na cama, ainda vestindo sua camisa social de botões (quem usa isso em uma balada?). Ele está nu da cintura para baixo, o que revela algo que não estou interessada em ver, então pego a coberta e jogo por cima. Pego meu celular e olho a hora. São seis horas da manhã.

Não lembro direito o que aconteceu ontem, só consigo me lembrar do pesadelo que anda me atormentando desde o dia em que minha mãe morreu. Quem é aquele menino que sempre aparece?

Pego minhas roupas do chão e vou ao banheiro para tomar um banho e voltar para casa (se é que posso chamar aquele lugar de casa). Entro no banheiro, tranco a porta e paro em frente ao espelho e observo a garota que vejo nele. Maquiagem borrada, vestido sujo de bebida, cabelo totalmente embaraçado. A alguns meses atrás eu jamais poderia imaginar me encontrando nesse estado desastroso.

Após um longo banho quente repleto de memórias da noite passada, me seco e me visto o mais rápido de consigo, tento de forma inútil limpar a mancha de bebida de meu vestido com uma toalha molhada e vou embora deixando o anônimo burguês esquisito dormindo na cama King Size do quarto de hotel.

Desço até o saguão do hotel e chamo um táxi. Enquanto espero ele, percebo que todos as pessoas que passam pelo saguão ficam me olhando com uma cara de assustados, ou até com cara de pena como se eu fosse uma criança perdida. (Será que eu tenho a aparência tão jovem assim ou eu estou tão desarrumada quanto imaginava?) Foda—se, eles não têm nada a ver com a minha vida e com o que eu faço.

O táxi finalmente chega, entro no carro e indico o endereço:

— 72nd Street, Upper East Side, por favor. —

O motorista olha por cima do banco e me avalia, como se fosse difícil acreditar que moro no Upper East Side.

Ah! Me poupe!

Sim, eu moro na merda do Upper East Side, um bairro da nobre e perfeita Nova York. O bairro onde somente os ricos (e também os mais infelizes) moram. Não sei como as pessoas sobrevivem nesse lugar, tanta burguesia e tantas pessoas nojentas e egocêntricas. A únicas coisas que prestam nesse lugar são os hotéis e as baladas, essas duas coisas com certeza nunca vão te decepcionar, mas o resto sim. Até os homens daqui são decepcionantes, me fazem questionar o porquê da existência de seres tão inúteis.

Cada rua me leva a uma memória de alguma noite em que eu andava bêbada por elas, tropeçando e sendo carregada por um cara diferente a cada dia.
Odeio esse lugar, principalmente depois que ela se foi.
Cada parque me leva de volta aos tempos que passamos sentadas na grama fazendo nossos piqueniques todas as sextas a tarde, até que ela morreu e minhas sextas começaram a ser preenchidas com o máximo de luzes e copos de Sex On The Beach que conseguia beber.

Nem quero imaginar o que meu pai vai falar quando eu chegar em casa. Sei que ele está em um luto profundo e que não anda muito bem, mas eu também estou mal. Minha mãe morreu caralho! Eu só não lido com a dor da mesma forma que ele, mas ele não entende isso, infelizmente.

De qualquer forma ele é um babaca e não vai fazer nada além de gritar e tentar me por de castigo e depois se trancar no quarto pra chorar.

Sei que estou sendo fria, mas tenho meus motivos, não quero lidar com o luto agora, não estou pronta pra deixar ela ir, e nem pra seguir em frente e tentar ter um futuro sem ela. Ela era meu tudo, minha vida, minha âncora, o pilar que me mantinha de pé. O câncer a tirou de mim tão rápido, nem pude aproveitar os seus últimos dias que foram no leito de um hospital. Ela sofreu muito, mal levantava da cama.

Odeio me lembrar disso, meu estômago se revira toda vez que o rosto dela passa em minha cabeça. Por que ela se foi?

— Moça! Está me ouvindo? Chegamos! — diz o motorista com uma voz irritada.

Acho que ele está me chamando há algum tempo.
Seco as lágrimas que nem percebi que caíram no meu rosto, pago o taxista e desço do carro.

Ao chegar no elevador do prédio a ressaca começa a bater e sinto uma forte dor de cabeça, minha cabeça lateja junto com meu coração.

Tento controlar a ânsia de vômito dentro do elevador até chegar no apartamento, mas não consigo e solto toda a bebida da noite anterior no carpete limpíssimo e perfeito do elevador. Já consigo ouvir o síndico reclamando.

Aquele velho chato

Saio do elevador tentando não pisar na nojeira, ando pelo corredor e chego a porta, pego a chave e fico uns 5 minutos tentando enfiar ela na fechadura.

Porque eles fazem chaves tão pequenas? Ou será que sou eu o problema? Eu sou uma merda mesmo...

Finalmente abro a porta, e lá está ele, em pé ao lado da mesa de jantar segurando sua xícara de café, esfregando as mãos nas têmporas.

Do que será que ele vai me xingar hoje?

Maré De EmoçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora