Capítulo Quatro

54 5 0
                                    

Gareth retira sua máscara e então sua face fica a mostra, deixando que todos presentes na festa enfim conhecessem aquele que teve a honra de tirar a princesa para sua primeira dança. Infelizmente, o rei não foi o único a apresentar um certo descontentamento, como também vários outros convidados, afinal, nunca viram aquele rapaz por alí, ou mesmo pelas redondezas, claramente não seria alguém de alto nível como eles, e isto alimentava seu preconceito, o que fazia surgir caras feias ao redor dos jovens. Pensamentos como "Quem é este rapaz estranho?" ou "Como pode um qualquer simplesmente aparecer em uma festa de alto escalão e ainda tirar a chance de meu lindo filho de tirara a princesa para dançar?" ecoava na mente de alguns, mas claro, aquele que mais demonstrava seu desgosto pela cena era o rei. Leon nem fazia questão de esconder sua ira. Momentos de silêncio se instalaram no salão, um silêncio descontentador, ao menos para Gareth, que acabara se sentindo estranho com todos aqueles olhares repentinamente alterados. Seu sorriso sumia e seu corpo estremecia apenas de maneira que não fosse facilmente notado por outras pessoas, ao menos àquelas que os encaravam, mas Leia notara seu nervosismo, estavam cara a cara, afinal.

Helena nota a situação desconfortável e logo tenta dispersar todos os convidados pelo local:
-Certo pessoal... Os musicistas irão tocar mais umas músicas e agora todos podem dançar com seus parceiros. Sendo assim... Aproveitem o final desse baile!

Quando todos começam a desfazer aquele aglomerado, Leon tenta chamar a atenção de Helena para subirem as escadarias, e assim ele o faz, arrastando Helena para um ponto onde os convidados não os veriam... Ou mesmo os ouviriam. Lá em cima Leon já engrossa sua voz perante a rainha:
-Mas afinal, quem é aquele moleque?! Um qualquer adentrando o castelo real assim!
-Mas qual o problema? Ele só tirou nossa para dançar.
-E ainda roubou a primeira dança dela! Isso deveria ter sido feito por um daqueles outros rapazes lá em baixo!
-Leon, pare! Primeiramente, trate de abaixar seu tom! - Leon inspira profundamente e então aparenta estar mais calmo - Segundamente, pra quê todo esse escândalo?! Ele só veio ao baile e dançou com nossa filha!
-Esses são os problemas! Eu vou lá expulsar ele daqui.
-Não! Você não vai! Inclusive, vai tratar ele muito bem, ele é amigo da Leia.
-Amigo? Que amigo? Aquela menina não tem amigos, vive trancafiada no castelo.
-E é exatamente por isso que vai tratar ele bem! Não destrua a primeira e única amizade da Leia!
-Eu não vou fazer isso para aquele qualquerzinho! Se ele vai ficar aqui, eu saio, não há problema algum.

Leon então simplesmente toma outra rota e sai por uma porta distante do salão, mais uma vez, pedindo ao criador do estábulo para preparar a cela de seu cavalo, assim saindo do castelo, provavelmente indo tomar um ar.

A situação de Gareth para os olhos da nobreza iria piorar neste instante. Enquanto todos se dispersavam para ter a dança lenta, alguns garotos tentaram tirar a princesa para dançar, mas todos foram rejeitados. Leia só queria ir atrás de Gareth, ela notou seu estado, queria o ajudar. Leia rodou por todo o salão, mas não encontrava mais o rapaz. Enquanto caminhava, agora cabisbaixa, não estava prestando muita atenção por onde andava. Leia suspira e, devido a distração, acaba por pisar em algo. Ela se abaixa e então pega o objeto o qual pisara, era uma máscara.
-A máscara do Gareth!

Era como se algo despertasse nela, porque olhar aquilo transformou sua expressão, esboçando uma face de determinação pura. Leia, ainda segurando a máscara, caminha mais rápido, apertando mais a máscara, em direção as portas do salão. Ela sai da área da festa, mas parecia muito determinada, a ponto de não ver o degrau da escada e pisar em falso. Prestes a cair, ela sente um braço tocar a sua cintura, envolvendo-se nela, e lá estava Gareth, mais uma vez.
-Acho que esse foi o final oficial de nossa dança! - Dizia com o mesmo sorriso de sempre, estampado na face.

Leia, mesmo corando, ainda sorria para o garoto.
-Eu pensei que o senhor tinha me deixado.
-O acordo era eu te acompanhar na festa, não era?
-Mesmo assim... Err, depois daquele momento... Senti uma pressão muito forte se instalar sobre ti. Aqueles olhares...
-Eu não ligo pra isso. Sempre que venho a cidade sou olhado assim, então já estou acostumado. Tudo que preciso é do amor da vó Iná.
-Que bom então! Pensei que ia ficar sozinha com esses garotos que só vêm aqui atrás de um casamento arranjado.
-Hum, então parece que eu ganhei pontos com a princesa?
-Sim! E por isso agora eu o nomeio servo da princesa de Demiurth.
-Seu servo, é?
-Sim, meu servo pessoal.
-Tudo bem então, não vejo porque não.

Ambos se movimentam e sentam um pouco longe dalí, no gramado do castelo, tendo acesso a uma boa visão do reino.
-A visão daqui é tão linda... Viver no castelo... Isso seria bem legal! Poderia observar o reino todas as noites... E sempre alternar meu foco entre o reino... - Gareth suspira profundamente e então torna a falar - E as estrelas...
-Então você gosta das estrelas...
-É. A vó Iná sempre me disse que cada estrela que brilha no céu é a alma de alguém que morreu e está zelando por nós. Aquelas que somem são as que foram esquecidas e por isso o brilho de sua felicidade se apaga...

Naquele momento, Leia estava com a cabeça apoiada em seus joelhos, olhando para Gareth, quando então ele, mirando o céu, acaba se focando demais e esquecendo que não está sozinho. Um tempo se passa e Leia levanta o rosto, olhando o rapaz.
-Hey, Gareth! Você está bem?
-Huh?! A-Ah... Peço perdão, é que uma estrela acaba de começar a brilhar.
-E o que isso significa?
-Significa que... Alguém acaba de morrer.
-Dá pra ver que você se importa mesmo com aqueles que não conhece...
-Bem, eu cresci sem meus pais. A vó Iná disse que eles morreram no incêndio...
-E então... Ela te achou?
-Não, ela estava comigo e fomos os únicos sobreviventes.
-Espera, ela é mesmo sua avó?!
-Sim, por que?
-Ela não se parece nada com você.
-Já a questionei sobre isso também. Ela disse que é a idade e que na época era uma beldade loira, irresistível a qualquer homem. - Ambos acabam rindo juntos - A nostalgia é boa, crescemos nos dando muito bem, mas as vezes me pergunto se é errado de minha parte querer meus pais de volta.
-Não é. Pode ter certeza que não. As vezes até mesmo tenho desavenças com meu pai, mas nem consigo me imaginar perdendo ele. Deve ser horrível.
-Sim, isso é verdade...

Durante essa conversa, eles ouvem os convidados saindo e Helena se aproximando dos dois.
-E então. Se divertiram? Comeram e beberam direitinho? - Ela questionava se abaixando perto deles,
-Sim, foi uma noite ótima em si. - O rapaz dizia animado
-Que bom então! - Ela sorri, mas sua expressão logo fica mais séria. - Olha, Gareth, me desculpa por meus convidados, sei que aquela foi uma situação horrível!
-Tudo bem, eu não me importo. Mesmo com isso, a noite ainda foi ótima pra mim.
-Fico feliz em ouvir isso. - Helena volta a sorrir.
-Bem, já que todos estão indo... - O rapaz começa a se levantar. - Vejo que devo ir também.
-Ok então, eu irei pedir que te levem.
-Não precisa, majestade! Eu posso me virar bem. Vai ser até bom pra respirar por mais um tempo, haviam muitos convidados lá dentro.
-Hum... Tudo bem então. Mas tome cuidado!
-Eu tomarei. Já sou bem acostumado a andar por essa área.
-Tudo bem então.

Leia também se levanta e Gareth reverencia as duas. Já se afastando, ele acena para as duas, sorrindo, e elas acenam de volta. Helena se volta para Leia e diz:
-E a mocinha pra cama!
-Ah, mas mãe...
-Nada demais! Não vai escapar assim só pela festa.
-Ah, tudo bem... Huh?! - Leia parecia simplesmente esquecer do porque ficara chateada quando olha para sua mão - Ele... Esqueceu a máscara...
-Sem enrolação! Banho e cama!
-Mãe!

Enquanto a rainha se resolvia com sua filha, Gareth seguia o caminho para sua casa, o que demorara um pouco. Ainda um pouco distante de sua casa, Gareth vê uma fumaça no ar, não muito densa. Parecia uma fogueira, mas quando chegou na vila, viu que era, na verdade, a sua casa, destruída, queimada, com cinzas voando, acompanhando a corrente de vento, e o fogo já apagado, com quatro baldes largados próximos do poço.
-I...ná...

Gareth sussurrava enquanto logo uma lágrima escorria pela sua face.

Servo do MalOnde histórias criam vida. Descubra agora