Conversinha sincera

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Com um olhar de canto, Sebastian viu Claude ajeitando os óculos tortos, mas não foi encarado de volta. Ele sabia que não seria. Não foi o soco que criou a rixa entre eles, e não seria uma simples briga que acabaria com ela.

Ato 8.1

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O mercado não voltou a presenciar confusões vindas dos quatro, nem sumiços extravagantes. Alois, talvez, tivesse escapulido vez ou outra apenas para comprar algo que queria, mas não receberia permissão de levar se pedisse na cara dura. A volta à mansão também foi simples. Guardaram as infinitas compras na carruagem preparada para buscá-los e refizeram o caminho da ida pacificamente.

Ciel admitia que, apesar da primeira impressão sobre a paisagem do submundo ter sido desestimulante, havia um charme nas cores quentes e nas luas os acompanhando o tempo todo.

Às vezes, quando se sentia corajoso o suficiente, Ciel adentrava o Salão dos Murmúrios no Palácio Celestial. Era o local onde chegavam as orações dos humanos, seus pedidos mais lânguidos ao invocarem o nome de Deus. Por lá, ouviu muitas bobagens sobre o que os humanos pensavam do Inferno - um reino de fogo, diabinhos cutucando com tridentes e sete círculos ou algo do tipo.

Não era de tudo mentira. Para pessoas muito cruéis, o submundo era um campo de punição no qual pagavam pelos pecados até que se tornassem apenas almas. Mas havia muito além: cidades, mercados, centros artísticos. Vida.

Os tais pecados também iam muito além do que foram criados para ser. Era o que mais revoltava Ciel. Certa vez, ouviu um devoto dizer, em meio a lágrimas, que ter uma filha homossexual só podia ser castigo divino. Vincent e Rachel precisaram ouvir Ciel e Alois reclamarem até pelos cotovelos sobre o quão absurdo era aquilo.

Se relacionar com os outros era algo que não tinha como ser premeditado. Por quem a mente se atrai só é um problema quando o dedo é podre e acaba escolhendo alguém disposto a machucar. E se, no fim, a mente não se atrair, sortudo é o indivíduo.

Ciel suspirou, percebendo que estivera alheio demais, e viu Alois estranhamente quieto e observando a paisagem do lado de fora. A expressão indecifrável que sempre surgia em seu rosto quando Alois ficava distraído. As pernas de Ciel o incomodaram e ele mudou de posição, chutando o mar de sacolas no chão da carruagem.

Havia duas no colo do irmão, como se não quisesse que fossem tocadas. Uma enorme e outra miúda. Alois só foi acordado de seus devaneios quando a mansão que moravam - por enquanto, tomara, desejou Ciel - apontou logo ali. Majestosa e ainda tão assustadora quanto no dia anterior. A carruagem mal estacionou e Alois abriu a porta com um chute, descendo apenas com as duas sacolas.

"Não se esqueça das compras, querido!", gritou para Claude quando já estava a uma distância considerável.

A ideia de jogar um sapato na cabeça de Alois pareceu atrativa para Claude, porém se recompôs com o pensamento de que tinha classe. E seres com classe não jogavam sapatos nos outros, por mais que eles merecessem.

Como um bom cavalheiro, Sebastian pegou as compras de Ciel, nem metade do que havia, e as carregou mansão adentro, ignorando as insistências do outro sobre não precisar de ajuda. Claude respirou fundo uma, duas, três vezes e contando... Na décima, levemente mais lúcido, levou as que sobraram para dentro após liberar o cocheiro.

Parou na porta da cozinha e chamou Bard, o cozinheiro-chefe, dando de cara com a quinta tentativa do mês de assar o almoço usando um lança-chamas.

"Primeiramente, fingirei que não vi isso e você VAI cozinhar como alguém civilizado. Solte o lança-chamas."

Se prometer, não case com o DiaboOnde histórias criam vida. Descubra agora