Linha tênue entre o amar e o odiar

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A noite era o momento em que as cores quentes desapareciam da divisa infernal e trazia consigo três luas. Ciel retornou ao quarto junto de Sebastian quando o relógio apontou três e meia da madrugada; talvez tivessem ficado até o amanhecer se Dalrie não se encontrasse extremamente cansado de viagem — tinha raízes humanas, afinal. Lyan deu a noite de diversões por encerrada e fez questão de acompanhar Alois e Claude até o quarto, apenas para se despedir adequadamente e prometer mais eventos quando acordassem.

Caminhavam em silêncio, o único som vinha de suas respirações.

"Você tá com sono?", questionou Sebastian quando finalmente chegaram ao aposento deles.

"Não muito. Eu não tive uma noite agitada como essa há muito tempo, não sei se consigo dormir agora." Pegou a roupa de dormir e sumiu por alguns instantes dentro do banheiro, somente o suficiente para tomar um banho rápido e trocar as vestes. Quando saiu, Sebastian já estava vestido e segurava um violão nos braços.

"Já que não está com sono agora, Bocchan, que tal se eu cantar uma música relaxante?", sugeriu. Ciel riu fracamente e sentou-se ao lado dele na cama, observando atentamente a postura tranquila de Sebastian. Ele não sabia como, mas, aos poucos, Han se tornava menos insuportável e mais agradável de conviver.

"Me surpreenda."

A melodia iniciou-se como uma memória longínqua adentrando a mente de Ciel. Conhecia aquelas notas muito bem. Com uma voz bonita demais para ser humana, o que nem de longe era, Sebastian cantou a música infantil do mundo dos vivos sobre dois irmãos que se amavam muito e que estariam sempre ao lado um do outro. Não importava se o céu caísse, se os animais fugissem, se as flores murchassem ou se todas as estrelas os deixassem, nunca estariam sozinhos. Seriam irmãos para a eternidade.

Sebastian realmente o havia surpreendido, não só com a escolha da música, mas também com a expressão melancólica em seu rosto. Imaginou que ele não tivesse pesado as palavras antes de dizê-las. Ciel não interrompeu o momento dele, deixou-o pensar. Sebastian já havia explicado por cima o que pensava sobre a relação com Claude, mas Ciel não acreditava verdadeiramente que ele estivesse conformado com aquilo.

"Quando nós éramos crianças", murmurou Sebastian, um pouco perdido "dormíamos no mesmo quarto. Eu tinha medo do escuro, então Claude sempre me recebia na cama dele, mesmo sendo o mais novo. Mamãe cantava essa música quando via o quanto nos amávamos. Nunca foi permitido qualquer contato com civis, então só tínhamos um ao outro, entende? No dia que o Claude passou a me odiar, a porta do quarto nunca mais ficou destrancada pra mim. Tentei odiar ele por isso também, por desprezar a nossa relação e a nossa música, só que... eu não consigo. Não consigo odiar ele. Não consigo entender o que aconteceu. Quando decidi cantar essa música para você, não me recordava da letra. Ela foi surgindo na minha cabeça. O que eu fiz, Ciel? O que eu fiz..."

Ciel não tinha resposta para algo que nem ao menos Sebastian sabia. O sentimento que aflorou por ele naquele momento não foi pena, mas empatia. Conseguia sentir a dor da voz dele e absorvê-la, como se isso pudesse fazer a dor de Sebastian doer menos.

"Eu odiava o Alois quando ele apareceu na minha frente pela primeira vez." A confissão arregalou levemente os olhos de Sebastian; ele nunca imaginaria que aquela relação tão amorosa entre os dois pudesse ter tido um começo conturbado. "Não sabia o que ele tinha passado, nem por que estava na minha casa, recebendo a atenção dos meus pais. Era proibido me envolver com civis também, então eu só tinha os dois, e era suficiente para mim. Então... ele surgiu. Sorridente toda vez que me via, sem gaguejar em momento algum ou sequer demonstrar fraqueza. Fiz de tudo para que ele fosse embora. Menti, gritei com ele, disse que demônios não eram bem-vindos onde eu morava. Mas Alois não fraquejou nem uma vez. Meu irmão sorria, passava a mão no meu cabelo e dizia que ia me fazer amá-lo, e que ia me amar como um irmão também. Dias depois, me escondi e ouvi meus pais contando toda a história dele para a corte. Chorei tanto naquele dia que, quando Alois me encontrou, ajoelhado e soluçando como um bebê, só conseguiu me abraçar e dizer que estava tudo bem, que ele estava bem agora. Foi a primeira vez que dormimos na mesma cama. Alois parecia estar tendo um pesadelo no meio da noite e me abraçava muito forte. Ele disse: Não protegi você, Luka. Me perdoa. Nunca mais vou deixar outro irmão meu sofrer, eu prometo.

Se prometer, não case com o DiaboOnde histórias criam vida. Descubra agora