O Vento

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 Abayomi

Nunca tinha sentido minhas extremidades tão frias, as pontas dos dedos estavam congeladas e se aqueciam quando as mãos se esfregavam criando algum tipo de calor que não durava muito tempo. Uma de minhas irmãs, decidiu que precisava de um tempo longe da cabana, respirar ar puro e sentir ele entrar em seus pulmões. Por uma votação totalmente injusta fui escolhida para acompanhá-la. Olhamos para todos os lados, não procurando alguma coisa, e sim se certificando que não havia nada além da natureza nos observando.

-Ouviu isso? - Minha irmã mais nova disse, sua expressão era de alerta, me fazendo parar de respirar por um tempo e ouvir os sons naquela floresta. – O vento frio está cantando só para gente. – Ela disse por fim com um sorriso e eu soltei a respiração fortemente, como um alívio.

Um tempo lá fora era assustador, todos os riscos que corríamos me faziam perder o folego várias vezes. Runa, por outro lado parecia totalmente confortável, ela realmente precisava disso, mas infelizmente não podíamos ficar muito tempo.

- Deveríamos voltar, está muito frio, não creio que Horra queira preparar algum remédio para seu resfriado. – Digo a ela e a mesma concorda com os olhos, verdes e tristes, mas compreensivos também - Eu sei que gostaria de ficar mais um tempo, mas é preciso muito cuidado. Não podemos aparecer ainda.

- Eu sei – São suas últimas palavras antes de começar a caminhada em direção a nossa cabana. Runa usava uma capa de tecido grosso para suportar o frio, idêntica a minha, a única diferença eram as cores, ela usava um azul claro, se camuflando no branco da neve que caia e eu usava preto, que apesar de quente, não era muito vantajoso pela cor nessa época do ano.

Nossa "Casa" era provisória, mas comportava a todas nós. Camuflada nos jogos de luzes e feitiços que Sybilla, minha outra irmã mais velha, desenvolveu. A cabana não poderia ser vista por nenhuma criatura, mas ainda sim Runa e eu conseguíamos saber exatamente onde ela estava localizada enquanto voltávamos da caminha.

A minha frente, Runa começa a olhar para os lados e diminuir o ritmo da caminhada de volta, seus cabelos loiros estavam presos numa trança que acompanha seus movimentos. E só quando ela parou totalmente, e se virou para mim, que me senti assustada e em alerta novamente.

Ela sussurra para que apenas eu a escute.

-Ouviu isso? – Seus olhos brilhavam e se direcionaram para cima das árvores.

- O vento está cantando de novo? – Pergunto com certa ironia e despreocupação, passo na frente de minha irmã com a intenção de continuar- Não consigo escutar, mas deve ser lindo. E se me permite, precisamos continuar andando.

Quando dou o primeiro passo, sua mão toca meu braço, me segurando e me impedindo de prosseguir. Volto a atenção para ela que pela primeira vez aparenta estar assustada.

- Pelo contrário. A canção parou. Não a ouço mais. – Continua sussurrando e me assustando com seu tom de voz - Escuto outras coisas, são rápidas e cantam, mas não é o vento.

- Onde? – Pergunto ríspida para Runa, que aponta com seus dedos magros e brancos para um ponto distante da floresta, apesar de ser dia e o inverno trazer a neve branca, onde ela indica é extremamente escuro e não consigo ver nada. – Preciso que vá, encontro você no jantar.

-Mas...- Ela tenta se pronunciar, mas a interrompo.

- Agora! – Num piscar de olhos ela se torna uma linda águia branca e se vai, só peço que vá direto para casa.

Fazia algum tempo desde que não precisava conduzir as sombras para me esconder, um truque muito mais de ótica do que de mágica, era o que a Runa sempre dizia. Após feito, é preciso silêncio, porque as sombras conseguem me esconder dos olhos, mas não dos ouvidos. A respiração precisa ser controlada e o frio não ajuda muito, o ar pesado de inverno já torna a atividade mais difícil.

Com certa habilidade, me ergo no alto de uma árvore próxima, as folhas formam ainda mais sombras e podem me esconder melhor, além disso, a vista é perfeita.

Em alguns poucos segundos, do fundo da escuridão é possível ver silhuetas, se movendo rápido como minha irmã disse. A primeira figura aparece mais próxima a luz, é um guerreiro. Sua armadura e armas podem me dizer isso com facilidade. Em sequência, mais três figuras vestindo e usando os mesmos equipamentos surgem logo atrás. O que me choca não são suas armas preparadas para matar, mas suas asas. Fazia algum tempo desde que vi uma criatura alada, e essa, infelizmente, eu não poderia tocar.

Eles parecem estar à procura de algo, suas cabeças movem para todos os lados, em busca do que quer que seja. Noto então que poderia estar escondida de seus olhos e ouvidos, mas meu cheiro, isso eu não poderia esconder. Talvez a falta de conhecimento sobre meu odor, possa me livrar de uma emboscada. Pela primeira vez nessas terras teria de lidar com a sorte.

Um a um, os guerreiros vão seguindo caminhos diferentes, seguindo ordens, eu imagino. Apenas o primeiro a se revelar na claridade permanece no mesmo local, ainda há incerteza em deixar o novo cheiro para trás ou ir procurar o problema que veio resolver. Quando me parece que tomou uma decisão, as joias que se encontram em locais estratégicos de sua armadura brilham num vermelho muito mais forte e ele toma seu rumo.

Espero alguns minutos para me mover e certificar se é seguro. Quando nada além da minha própria respiração é ouvido, desço da árvore, ainda atenta a qualquer movimento. Olhando em volta e pela primeira vez toco a adaga que mantenho na cintura. Ainda envolta em sombras caminho lentamente, fazendo menos barulho possível entre meus passos. Tomo rumo à cabana, mais aliviada, ainda calma apesar da vontade maior ser de correr o mais rápido possível.

Quanto mais perto da nossa casa mais aliviada fico. Faltam algumas árvores e pedras para chegar até ela, mas o caminho parece ser infinito. Quando consigo visualizá-la, mesmo invisível, posso a imaginar há alguns passos depois de uma última rocha cinzenta coberta por neve, noto algum distúrbio nos sons em volta de mim, mas não consigo ser rápida o suficiente antes de mãos me agarrarem, num golpe tão bem planejado que é impossível me mexer ou sequer pegar minha adaga. Tento debater, na intenção de conseguir espaço para me livrar de seus braços. Calma e fria a voz da criatura atrás de mim ecoa em minha cabeça, mesmo que tenha sido dita em um tom tão baixo.

- Não é a única que sabe brincar com as sombras.  

Corte de Escuridão e MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora