Arles, 13 de outubro de 1995
Após uma agradável viagem de 5 horas pela madrugada francesa- cujo ponto alto foi o ronco de um passageiro russo que ocupava o assento ao lado- Xabier desembarca no terminal ferroviário de Arles, sob a brisa de outono da Provença e seus aromas inebriantes. O dia apenas iniciava e, apesar da noite mal dormida, resolveu caminhar pela cidade antes de ir ao hotel que seu pai havia lhe reservado.
Arles é uma cidade de 2500 anos de história, com 50 mil habitantes e que guarda consigo resquícios da época em que era uma colônia romana conhecida como Arelate.
Muito próximo à estação estava o rio Rhône, famoso pela sua beleza e suntuosidade. Xabi aproximou-se e imediatamente lembrou do quadro de Van Gogh "Noite Estrelada sobre o Rio Rhône", magnífica obra que mostra a constelação de ursa maior reluzente e refletindo sobre as águas, na presença de dois casais: um de barcos e um de amantes. A luminosidade matinal do outono provençal refletia sobre as margens do rio um brilho comparável ao produzido pelo pintor holandês.
Continuou caminhando pela avenida Paulin Talabot e, em poucos metros, estava no anfiteatro romano, bela obra construída entre o século I e II cujo estado de conservação impressionou o jovem. Suas arquibancadas, com capacidade para 30 mil pessoas no auge, serviram de base para espetáculos de gladiadores típicos do Império Romano e, a partir do século XVIII, de corrida de touros, o que fez com que ele pensasse como a humanidade demora para evoluir.
Mais alguns metros de passeio e caiu na Avenida Victor Hugo, como que lembrando-o do motivo da viagem. Procurou o papel onde havia anotado a direção da hospedagem e, para sua surpresa, estava próximo à Boulervard des Lices, sede do Hotel Jules Cesar, elegante cinco estrelas que seu pai havia reservado, com as vantagens adquiridas pelo seu cargo gerencial do hotel em Biarritz. Bem diferente do modesto local em que permaneceu em Paris, a beleza deste impressionava. Antigo convento Carmelita, sua fachada com colunas romanas e o busto do Imperador Júlio César esculpido na parede principal contrastava com um interior moderno e com várias referências artísticas. Xabi ficou particularmente encantando com o restaurante, nos assentos em múltiplas cores, amplas janelas e teto decorado com desenhos de touros e damas antigas com seus vestidos armados e sombrinhas. Ao entrar no seu quarto deparou-se com uma decoração ousada: uma cabeceira única com arabescos, duas camas twin em lençóis brancos sob uma parede com estampas grandes em branco e preto, contrastando com a parede contra-lateral num rosa antigo em tom fechado e uma cadeira de madeira e vime, solitária como Xabier naquele momento. Fez questão de ligar para o senhor Joetxo imediatamente para agradecê-lo.
- Egum on aita, zer moduz zaude? Bom dia pai, como vocês estão? Perguntou o filho perante a um preocupado pai.
- Estamos bem filho, ansiosos por notícias suas.
- Tudo ótimo pai, impressionado com o hotel que o senhor "descolou" para mim.
- Tenho meus contatos, dakizuenez- zombou Joetxo.
Após as recomendações habituais, de pais habituais, para filhos habituais, se despediram afetuosamente e combinaram que só voltariam a se falar pessoalmente, uma vez que o jovem não planejava ficar muitos dias em Arles.
Depois de um breve descanso, Xabier Izaguirre, inspirado pela hospedagem, mas com a tensão estampada em sua face, parte em direção à casa de repouso onde encontrava-se a madame Jeanne Calment.
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Victor Hugo encontra Van Gogh
RomanceO interesse acadêmico de um jovem basco pelo pensador francês Victor Hugo e pelo pintor holandês Van Gogh se transforma em admiração ao conhecer a história em vida na pele da centenária Jeanne Calment