Capítulo 5

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Euskal Herriko Unibertsitatea-Donostia, 6 de outubro de 1995

Tímido e com poucos amigos, Xabier não era propriamente um cara popular na faculdade. A começar pela escolha do curso -Literatura Estrangeira- com outros dez alunos, a saber: três senhoras, cujo interesse acadêmico tardio era atribuído à viuvez; cinco garotas, cujos anseios universitários se limitavam à formatura glamorosa e dois rapazes com os quais mantinha mais contato.

O primeiro era Josep Tapies, catalão que aventurou-se no país basco sem saber uma sílaba da língua local, mas que tinha como trunfo o charme e a lábia barcelonesa, conseguindo que as universitárias idosas fizessem seus trabalhos e provas. Era o rapaz no qual Xabi se distraia com seus relatos sobre o Futbol Club Barcelona e sua paixão desenfreada por Zubizarreta, guarda-metas do clube e, considerado por ele, "o maior catalão já nascido".

Mais próximo porém era Andoni Knörr, garoto nascido e criado em Vitoria-Gasteiz, cidade vizinha a Donostia e capital do País Basco. Viciado no refrigerante "Kas", criação de sucesso da sua família, de origem germânica, e com grande popularidade - particularmente no norte espanhol. Há 3 anos quando a empresa fora comprada pela gigante PepsiCo, o rapaz decidiu descolar-se do ávido interesse dos parentes pela herança polpuda e ingressou no curso superior; na faculdade, porém, achavam que sua presença era mais excentricidade de um novo-rico. Mas Andoni amava os clássicos, de Goethe a Tomás de Aquino, passando por Dante e Flaubert. Era o interlocutor mais próximo de Xabi em assuntos românticos e acadêmicos. Sempre solícito, lia e relia os rascunhos intermináveis e por vezes sem nexo, fazendo correções pontuais no que considerava excessos do amigo sobre a vida e obra de Victor Hugo.

Naquela tarde de sexta feira, entre as aulas de Teoria Literária e Linguística Aplicada, Xabier não conteve a ansiedade e contou a novidade ao vitoriano. Andoni ouviu pacientemente a empolgação do amigo e riu ao imaginar o diálogo entre uma senhora francesa de 120 anos e o garoto, que frequentemente criticava a presença das colegas idosas da sala, "por uma questão estética somente" (o etarismo não estava em voga, à época). Claro que também se empolgou com os fatos e coincidências e concordou que, se feita corretamente, a entrevista de fato elevaria seu trabalho a um novo patamar. Knörr não era afeito a sentimentos que considerava mesquinhos, como a inveja, mas naquele momento, o que mais queria, era compartilhar o mesmo entusiasmo que o amigo; seu próprio trabalho já estava pronto há 2 meses, à base de litros de "Kaa" de laranja, que julgava o mais energético entre todos do catálogo; passara noites acompanhado de sua insônia finalizando a bizarra tese, que unia um esporte tradicional local e literatos famosos. Sob o título de "Erasmus, Rabelais eta Montaigne ikuspuntutik euskal pilota" ("A Pelota Basca sob a Ótica de Erasmo, Rabelais e Montaigne"), era um relato delicioso, já lido por Xabier, sobre a origem do secular jogo, contado em verso e prosa ao longo da história literária europeia. Apesar disso, não nutria a paixão que via no colega, o afã em se descobrir mais e mais sobre o pesquisado. Aquele relato maluco da madame Jeanne e sua relação com os artistas famosos deixou Andoni alvoroçado, a ponto de se convidar para acompanhá-lo na empreitada em território francês. Xabi aceitaria de pronto, mas sabia que o impulso do amigo era fogo de palha. Prometeu somente que trocariam correspondências e que ligaria sempre que possível para contar as novidades.

Naquele fim de tarde, todos se despediram animadamente pela proximidade do final de semana, mas Xabier Izaguirre sabia que dois dias seriam insuficientes para decifrar a história de uma vida tão longa como a da madame Jeanne Calment.

Victor Hugo encontra Van GoghOnde histórias criam vida. Descubra agora