Capítulo 6

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Donostia, 7 de outubro de 1995





Tal qual todo pai zeloso, Joetxo tentou ajudar o filho naquela que seria sua primeira aventura em outro país. Com a lábia adquirida nas décadas de hotelaria, ligou para a Secretaria de Turismo da Prefeitura de Arles, numa tentativa de obter alguma informação sobre essa visita. Ouviu, ao contrário, impropérios do funcionário identificado como Jean que, ao que tudo indicava, havia acabado de ingerir sua dose matinal de óleo de fígado de bacalhau, tamanha a aspereza.

-Madame Jeanne Calment não é objeto turístico! Há de haver mais respeito com a senhora, bradou o ácido cidadão provençal.

Mas o senhor Izaguirre nem se afetou com a já conhecida grosseria francesa, no que tange a assuntos de funcionalismo público. Resolveu mudar de tática e ligou na regional do Le Monde, o principal jornal do país, pois sabia que diante do recorde recém alcançado pela centenária cidadã local, as informações recentes sobre suas condições de saúde seriam líquidas e certas.

- Monsieur Izaguirrrrrrrrre - respondeu com dificuldade- e tantos erres quanto eram possíveis na língua mãe- o jovem jornalista a quem teve acesso e cujo nome não conseguiu compreender;  acredito que não seja uma boa hora para uma visita à madame, uma vez que ela se indispôs com um engraçadinho de um programa de televisão sensacionalista parisiense, que se fantasiou de Van Gogh e, com uma garrafa de absinto na mão e uma orelha na outra, ficou insinuando coisas que nem o mais imoral dos imorais seria capaz de reproduzir. A pobre teve que se internar por uns dias porque a casa de repouso estava muito visada. Mas, ao que parece, não é nada de grave e, em 4 ou 5 dias, ela estará de volta sob os cuidados da encantadora Juliette, que com o perdão da palavra, deve ser a responsável pela longevidade da senhorinha. EU, AO SEU LADO, VIVERIA 150 ANOS, gritou, exaltado e rindo, ao telefone.

Joetxo agradeceu constrangido e resolveu esperar o filho chegar de sua corrida diária para desaconselhar a viagem naquele momento. Em vão. Xabier preferiu partir naquele dia mesmo pois já tinha sua passagem de trem comprada para Paris, onde faria a escala antes de rumar para a cidade ao sul da França. Argumentou que faria uma aclimatação local para treinar seu francês com os locais e, quem sabe, visitar algumas locações por onde Victor Hugo viveu e escreveu.

Sua mãe, que odiava despedidas, permanecera na cozinha enquanto o pai lhe entregava os 3000 francos para passar os sete dias previstos no país vizinho, valor que julgou suficiente para a empreitada.

- Calma dona Nekane, seu filho só vai ficar uns dias fora e, afinal, já estou bem grandinho para uma viagem tão breve... ainda mais com um motivo tão nobre. Xabi tentava acalmar a mãe que, a essa altura já estava em prantos, como se o filho fosse para a terceira guerra mundial, sob risos incontidos do marido.

E assim Xabier partiu, com seu pai o levando até ao terminal ferroviário de Donostia. A primeira parada, Barcelona e dali para a Cidade-Luz. Sem saber o porquê, aconselhou-o a ter "cuidado"com as cuidadoras da madame Calment, pois o importante era manter o foco na pesquisa. Xabi riu sem entender o motivo do conselho, afinal era tudo menos um garanhão;  entrou no trem munido de sua mochila surrada com no máximo 4 peças de roupas, um "discman", maravilha da tecnologia recém-lançada e que havia ganho em seu último aniversário além de alguns textos de sua tese que ainda necessitavam de revisão. 

Mas a verdade era que já não sabia se seu trabalho seria o mesmo depois daquela jornada em direção à França.

Victor Hugo encontra Van GoghOnde histórias criam vida. Descubra agora