Capítulo 10

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130 Avenue d'Eylau (atual Avenida Victor Hugo)-Paris, 20 de maio de 1885

Victor-Marie Hugo sentia-se exaurido. Sabia que sua vida chegara ao fim. Resignado e, mais do que isso, tranquilo, desfrutava de seus últimos momentos com lembranças de um passado frutífero, transcrevendo pensamentos que sua mente enfraquecida ainda tinha capacidade de produzir. No leito de seu quarto, transformado em enfermaria, tentava recordar alguns momentos de sua longa jornada. Aos 83 anos, uma raridade para a época, com uma saúde e longevidade invejáveis. Porém, naquele momento, a congestão pulmonar o vencera. Respirando com dificuldade, alternava períodos de sonolência com lucidez, sem saber ao certo o que era real e o que era consequência da hipoxemia cerebral. A paredes revestidas com tecido vermelho até o teto davam-lhe a sensação de calor extremo, na realidade fruto de seu esforço respiratório agônico.

Imagens distorcidas invadiam seu cérebro em meio ao torpor das infusões e drogas propostas como tratamento. Seu pai, Joseph Hugo, era presença constante em seus devaneios; sua posição contrária à ideia do filho se tornar um escritor mudou quando o Rei Luís XVIII ofereceu-lhe uma bolsa para custear seus estudos literários, devido ao interesse do monarca nas suas primeiras obras, escritas com 18 anos de idade. A lembrança daquela longínqua data ainda era premente e foi chave para seu sucesso como escritor e político.

Adèle Foucher também cercava sua mente naquela fase final de vida: amiga de infância, casaram-se em 1822, o que fez com que seu irmão Eugène, apaixonado pela mesma mulher, enlouquecesse. Ao mesmo tempo, sua vida rodeada de amantes, com a suposta anuência dela, tornava tudo nebuloso naquele momento: confundia lembranças, vozes e sensações. A imagem de Juliette Drouet, aquela com quem dividiu as atenções por mais tempo e que poderia ser considerada sua segunda esposa, atormentou seus últimos momentos.

A prematura morte de dois de seus filhos e mais tarde de um terceiro, que trouxe tanta tristeza em sua vida, agora dava a sensação de conforto. Sua fé permitiria imaginar que os encontraria na vida após a morte. Desde seu exílio na ilha de Jersey, aproximou-se do Espiritismo, como bem relatado na obra "Les Tables Tournantes de Jersey".

Dispnéico, ainda encontrou forças para escrever suas últimas palavras, dois dias antes do óbito:

"Sinto dentro de mim toda uma vida nova, toda uma vida futura. Sou como uma floresta que por várias vezes foi abatida: os rebentos novos são mais fortes e vivazes do que nunca. Subo, subo para o infinito! Dizem que a alma não é senão o resultado do poder do corpo. Por que, então, minha alma é mais luminosa quando o poder do corpo começa a enfraquecer? Quanto mais me aproximo do fim, mais escuto em torno de mim as sinfonias imortais dos mundos que me chamam. Isto é maravilhoso e, contudo, é tão simples. É um conto de fadas e uma história. Há meio século que escrevo meus pensamentos em prosa, em verso, em filosofia, drama, romance sátira, ode, canção, etc. Tenho tentado tudo, mas sinto que não disse a milésima parte do que existe em mim Quando me curvar para o túmulo, poderei dizer como tantos outros: meu dia de trabalho começará de novo amanhã. A sepultura não é um beco sem saída, é uma passagem. Ela se fecha no crepúsculo, ela se reabre na aurora!"

Victor Hugo encontra Van GoghOnde histórias criam vida. Descubra agora