Capítulo 2

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Arles-França, 29 de maio de 1885

Seguindo a tradição das sextas-feiras primaveris, Jeanne cantarolava no jardim de casa enquanto cuidava das ovelhas. Apesar da pouca idade, não se importava com suas obrigações mesmo aos dez anos e três meses. Sabia que mais tarde seu bom pai a levaria para passear nas plantações de lavanda na bela cidade provençal.

Mas não naquela tarde. Seu pai chegara mais cedo de sua loja de tecidos cabisbaixo, falando sozinho e se não vira mal, com lágrimas nos olhos.

-Ce qui est arrivé à papa? O que aconteceu papai? Perguntou a jovem. Não imaginava que a notícia seria tão devastadora.

- Nosso mestre maior, Victor Hugo, faleceu há 7 dias em Paris. O mensageiro chegou hoje da capital com a triste notícia.

Jeanne imediatamente pôs-se em prantos. Como um membro da família, o sábio pensador fazia parte de sua vida com as leituras que seu pai fazia de suas obras aos sábados. Mais que isso, a perda de um líder, uma referência no país naquela era da recém empossada Terceira República Francesa.

Após uma noite de muito silêncio e luto, o patriarca revelou seu desejo para toda a família: queria ir ao velório do escritor, em Paris; sabia que seria um evento grandioso e que, dadas as dificuldades da época, seria muito difícil, mas com algumas economias guardadas, conseguiria um transporte adequado para tão grandioso momento. E Jeanne, de pronto, disse: eu quero ir junto papa! E ele, surpreendentemente, concordou. Sabia do apreço de sua amada filha por Victor Hugo.

E assim partiram numa caravana de 18 carroças com políticos, negociantes locais e admiradores rumo à Paris. A maioria deles jamais havia saído da cidade, o que tornou a viagem uma aventura por si só. Jeanne animava a comitiva com seus cânticos e seus diálogos com os cavalos. Nos pontos de descanso imaginava como seria a cidade da qual tanto ouvira falar e tremia na possibilidade de conhecer os pontos turísticos e, principalmente,  a Catedral de Notre Dame, tema de um dos livros preferidos de autoria do personagem em questão: "Notre-Dame de Paris"; Jeanne se arrepiava só de imaginar a ideia em conhecer o Quasímodo.

Dois dias e oito horas depois chegaram na capital da República e espantaram-se com a multidão que já se acumulava nas ruas e praças. Num Campo de Marte pré Torre Eiffel, o ponto de parada das carroças; grupos provenientes de toda a França se dirigiam vagarosa e respeitosamente nos 2,5 quilômetros em direção ao Arco do Triunfo, onde jazia o corpo do bardo. Impossível se aproximar do caixão, mas ninguém se importou. Estar ali era o suficiente para todos e para ela. Funcionários do governo distribuíam um folheto comemorativo da data aos transeuntes que passavam pelo monumento.

Jeanne Calment nunca vira tanta gente reunida em sua curta vida e não sabia, mas aquela data mudaria sua longa jornada para sempre.

Victor Hugo encontra Van GoghOnde histórias criam vida. Descubra agora