Capítulo 1: Intolerável

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Será que só eu percebia o quão errado era deixar uma criança órfã sozinha na floresta?

Meu irmão e Senhor parecia ignorar a necessidade de trazer a criança para dentro do Castelo. Dizia que sabia se cuidar, já que afirmavam que agia como uma selvagem.

Como poderia ser diferente? Todos sabiam da existência da cabana que acolhia a falecida curandeira da região e sua criança. Mas só lembravam da existência da cabana quando precisavam das ervas medicinais ou de ajuda para costurar algum guerreiro machucado. Ambas nunca estiveram dentro do Castelo.

Nunca tinha posto os olhos na criança. Mas já precisei da ajuda da curandeira. Era uma mulher de idade avançada e de poucas palavras. Quando me feri em batalha, acreditavam que minha ferida era mortal. Minha vida foi salva pela velha. Tenho, assim, uma dívida.

Lembro de flashes de sua presença. Ela foi trazida até mim, como estava muito ferido não tive como ser levado até o Castelo. Ela foi até a fronteira me encontrar, sua sabedoria na arte da cura era famosa, sendo assim, minha única chance de sobrevivência.

Foram semanas para me recuperar. Quando minha febre acabou e consegui dar alguns passos, ela veio até mim.

- Meu senhor, vejo que já está se fortalecendo.

Sua voz era baixa e rouca. Seus olhos de um azul muito vivo e me fitava fixamente.

- Lhe devo minha vida. Minha espada estará sempre a sua disposição. - Curvo minha cabeça em agradecimento e humildade perante sua presença.

- Fico feliz em ouvir isso. Agora, é chegada minha hora de ir. Já deixei minha criança muito sozinha.

- Como assim? - Será que ela tem outra criança? Me questiono mentalmente.

Escuto sua risada e vejo um sorriso sem dentes. Provavelmente era bonita mais jovem. Infelizmente, os tempos difíceis cobraram sua beleza como pagamento. Mas seu jeito de falar e suas ações me deixaram curioso. Era uma senhora educada e, ao mesmo tempo, mantinha um ar selvagem. Era um mistério para todos da região.

Ela sempre esteve lá, em sua cabana na floresta. Desde moleque ouço falar dela. Maldição! Essa velha me dá um pouco de medo.

Um dia ela simplesmente não estava mais lá, durante dois invernos sua cabana ficou abandonada. Quando retornou tinha uma criança com ela. Ninguém perguntou. Não havia o que se falar. E a vida continuou seguindo seu curso.

Isso já faz muitos invernos. E ela ainda fala de uma criança... Será que encontrou outra para cuidar? Nunca vi a primeira criança. Como comandante das tropas de meu senhor, ficava muito tempo fora, em batalhas. E quando retornava, estava mais interessado em me enterrar entre as pernas de alguma mulher, ao invés de procurar saber da vida da velhota.

Mas agora estava curioso.

- Minha criança já está comigo a um bom tempo. Mesmo assim, ainda é minha doce criança... Peço que permita minha ida.

- Claro. E aceite meu pagamento. Apesar que manterei minha palavra, minha espada sempre estará pronta para lhe proteger e sua criança. - Me levanto, ainda com dificuldade, e entrego o saco com moedas. Um pequeno valor, que nem de longe paga a vida que me foi devolvida pelas mãos daquela curandeira.

- Agradeço, meu senhor.

E com um menear de cabeça sai da tenda. Me deixando sozinho e curioso sobre a sua vida. Me transformei num velho mexeriqueiro.

E, agora, me vejo em um dilema, uma vez que, sua morte foi anunciada e meu senso de dever me cobra uma atitude.

Como não estava aqui na época, não tinha o que fazer. Mas agora, tempos de paz estão por vir. Meu senhor agora tem sua doce Sarah ao seu lado. Os clãs, por enquanto, estão saciados de sangue e aceitam as alianças de paz.

Estou ficando velho e cansado, as batalhas me cobraram um preço, tenho cicatrizes pelo corpo todo. Mas a do rosto é a que mais assusta, quase perdi um olho. Me deixando com um ar sombrio. As donzelas me temem e as prostitutas me aceitam por estar pagando um bom valor.

Já tenho 35 anos e não me vejo em um casamento futuro. Talvez, a criança da velhota possa ser criado como meu filho. Lhe ensinaria a arte da guerra. Seria uma companhia para minha velhice, além de estar cuidando de um bem tão querido da senhora que me salvou.

Era intolerável saber que uma criança estava sozinha pela floresta. Estava decidido, vou achar a criança e cuidar dela.

Corações em chamas Onde histórias criam vida. Descubra agora