☙ • O Cão

75 15 17
                                    

Assim que saiu do hospital Matt tirou o celular que estava no bolso. Ainda havia 15% de bateria, não era muito, mas era o suficiente pra o que ele precisava. O sol que ele havia visto nascer naquela manhã já havida sido escondido pelas nuvens densas de chuvas que nunca caía e Santa Ariana adquiriu o aspecto sombrio de sempre, com a diferença que estava mais calma do que de costume.

Por conta do ataque na igreja o conselho, que era um grupo formado pelo prefeito e alguns dos vereadores mais chegados, a ficarem em casa. Aulas e trabalhos não urgentes foram suspensos. Apenas a delegacia e o hospital estava em perfeito funcionamento, quase ônibus nenhum rondava a cidade e muito menos gente. Matt discou o número do irmão mais velho.

— Tobias? — Disse assim que ouviu o alô.

— Matt? Caramba, cara! Onde você está? Ficamos todos muito preocupados. — Ele ouviu uma voz conhecida por trás da de Tobias. Era sua mãe. — A mãe está mandando... Não, ela está exigindo que você venha pra casa nesse exato momento.

— Eu estou bem. Diz pra ela não se preocupar. — Matt falava baixo e procurava ser ouvido. Já que o irmão mais velho e a mãe discutiam do outro lado da linha. Aparentemente ela queria falar com ele, mas Tobias achava melhor que não. — Mas escuta, você lembra da Marie?

— Marie? — Matt podia ouvir o irmão se afastar da mãe. — A sua garota esquisita a quem eu dei carona no outro dia?

— Ela não é minha garota. — Ele falou baixo, temendo ser ouvido por mais alguém que não fosse seu irmão. Não era como se Marie fosse aparecer ali do nada, não é? Ele levantou a cabeça e olhou pros lado, apreensivo. Ele estava só.

— Se você diz — Matt também podia ver o sorriso cínico do irmão. — Mas eu lembro, lembro sim, por quê?

— Pode me mandar por mensagem? Eu preciso encontrar com ela. Mandei algumas mensagens e ela não me responde. Eu preciso vê-la pra ter certeza que ela está bem. — Não era mentira. Depois que chegou ao hospital, Matt tentou falar com Marie, mas as mensagens sequer haviam chegado no telefone dela. Como se ele tivesse desligado ou algo assim. Mas já fazia uns dias que Matt não falava com ela e isso o deixou mais preocupado, porque ela também não havia procurado por ele.

— Mando, mando sim. — Ele sentiu o tom de Tobias mudar. — Mas vou logo te dar um aviso, essa garota é estranha. Ela mentiu o endereço, eu dei a volta na moto e ela pensou que eu havia ido embora. Então ela andou mais duas ruas até entrar na casa que deve ser a dela. — Matt teve um mau pressentimento. — Então toma cuidado. Eu vou tentar segurar a mãe mais um pouco, mas seja rápido e venha logo pra casa.

— Tudo bem, obrigado... — A ligação caiu. Alguns minutos depois o celular dele vibrou com uma mensagem, era o endereço.

Pelo endereço que Tobias havia mandado, a Marie morava nas ruas debaixo. As ruas debaixo eram o bairro mais sombrio de Santa Ariana. Era um lugar que a prefeitura e os são arianos gostavam de fingir que não existia. Apenas moravam ali o miseráveis. Que não tiveram sorte e nem dinheiro o suficiente pra poder morar na parte nobre da cidade. Eram onde estavam a maioria dos alunos da única escola pública que a cidade tinha. Na verdade os únicos que Matt sabiam que não estudavam nela era Marie e seu irmão psicopata. Mas se eles tinham dinheiro pra pagar uma boa escola, por que moravam no lado sombrio da cidade? E não numa casa bonita de algum condômino?

Matt pagou um Uber até lá, talvez o único corajoso o suficiente pra ainda rodar na cidade deserta. Desceu na esquina da rua que devia ser a de Marie. A cada passo que dava até o número 71 seu coração perdia o ritmo mais um pouco. As casas ali eram muito iguais e ao mesmo tempo diferentes. Nenhuma delas tinha pintura, somente uma camada espessa de cimento. Alguns dos números eram grafitados e outras sequer tinham. Portas descascadas, janelas balançando. Ele passou por uma onde havia uma pequena montanha de lixo amotoada perto da janela e um pneu jogado. O cheiro de podre era inevitável. A decadência daquele lugar fez Matt se sentir muito mal por nunca ter agradecido pela vida que tinha. Um grande número 71, pintando de vermelho numa caixa de correio que estava muito torta pra esquerda chamou sua atenção.

Lobisomem - Eu não sou um heróiOnde histórias criam vida. Descubra agora