Lobisomem - Eu não sou um herói

☙ • Alma

O silêncio que nasceu depois da declaração de Louise foi quebrado pela chegada de mais duas figuras. Primeiro um lobo branco de olhos cinzas cintilantes, Luke, seguido de um lobo negro de olhos vermelhos e mortais, Julio. Os dois estavam cobertos de sangue. Alguém havia cruzado o caminho deles. Pelo que Matt recordava o caminho que Luke escolheu seguir foi pra onde havia corrido o Órion e o Sebastian. Talvez nenhum dos dois existe mais naquele momento. Matt teria tempo pra aquilo depois ao menos ele esperava ter. A declaração de Louise ainda o deixava desnorteado e até um pouco assustado. Era um blefe. Tinha que ser. Alguém devia estar vindo socorrer-los. Ela estava ganhando tempo.

— Então, o que perdemos? — Luke perguntou com um ar de ironia. Mas Will balançou a cabeça dizendo “agora não, cara”. Os dois lobos recém chegados olharam de Matt para Louise. Não foi necessário nenhuma explicação pra saber que o clima estava pesado por ali. A tensão estava no ar.

— O que você disse? — Matt falou finalmente. Parece que ele havia acabado de se lembrar como usar a voz.

— Foi o que você ouviu, Matthew. — Louise disse calmante. Com a paciência de quem ensina vogais para crianças pequenas. — Você não é um guardião. Você jamais foi. Você jamais será. Eles mentiram pra você. — Fez uma pausa, saboreando o seu momento. — Todo mundo mentiu pra você. Seus amigos, sua família, sua amada Reserva... Todo mundo.

A cada palavra dela um rosto diferente lampejava na mente do garoto como tiros de luz só que as luzes eram rostos conhecidos.

— Você mente. — Matt disse tão calmo que nem sequer sabia de onde estava vindo aquilo.

— Eu? — Louise colocou uma das mãos no peito. Numa atitude que demonstrava que havia ficado ofendida. — Não, Matt. Eu não. Desde o início eu fui a única que tentei te ajudar. Que quis mostrar quem você era. Mas você estava cego... Você foi cegado. — Havia um quê de doçura e compreensão na sua voz. Mas tudo que escorria era veneno. — Mas eu não te culpo. Talvez também ficasse alienada se todos que conheço passassem a vida mentindo pra mim.

— E sobre o quê eles mentiram exatamente? — Matt esbravejou e deu alguns passos na direção de Louise, que recuou. Caio se mexeu impaciente no chão. Mas Will me mantinha firme na sua tentativa de deixá-lo preso. — Posso saber?

— Sobre tudo. — Respondeu simplesmente. — Sobre quem você é... Sobre a sua linhagem. O que disseram pra você? Um descendente do Coração? — Ela bateu um indicador no queixo — no máximo do Corpo. Com certeza não te acharam esperto o suficiente pra ser um descendente da Mente. A propósito eles são bem raros. — Os olhos dela faíscaram na direção de Luke. Que se escolheu um pouco e se afastou dois passos pra trás.

Dessa vez Matt não respondeu. Ninguém parecia respirar mais alto que o necessário na verdade. Nem as folhas nas árvores pareciam ousadas o suficiente a fazer qualquer ruído. Louise continuou.

— Pois bem. Vou te contar uma breve história que com certeza você não deve ter ouvido na Reserva. — Nossa pausa dramática. — Antes dos “Guardiões" — ela fez as aspas no ar — existiu um único guerreiro, um único lobo, criado pra proteger seus amigos, seu familiares e tudo que ele conhecia. O Alma. — A palavra fez o coração de Matt bater alto. Ele sentiu uma queimação no peito. Uma espécie de reconhecimento. Uma luz muito intensa e invisível aos outros surgiu diante seus olhos e por alguns segundos ele achou que veria o rosto do Alma e ele saberia exatamente como ele era. Ele saberia exatamente que sempre soube de qualquer coisa que Louise pudesse, e fosse, contar. Mas tudo que ele viu foi seu próprio rosto. E na mesma velocidade que a luz veio, ela sumiu. Louise ainda estava falando. Mas aqueles segundo fez Matt perder parte do que ela dizia.  — ...Mas acontece que o Alma foi traído por todos o que conhecia. Foi covardemente escandalizado e humilhado. Foi deixado sozinho quando mais precisava dos seus. — Os olhos dela repousaram nos outros lobos e havia rancor neles. — Eles fizeram de tudo para mantê-lo longe. Apagaram-no da história, das suas vidas. Inventaram suas próprias verdades. Mas o Alma jamais esqueceria. E deixou para os seus descendentes a sua vingança. Todos falharam até aqui, mas porque não eram a gente. — Apontou pra ela e Matt. — Você e eu Matt, podemos aniquilar de uma vez por todas essas escórias. Podemos apagar eles da história como fizeram ao verdadeiro Alfa dessa alcatéia.