Família

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As coisas não estavam saindo do modo como imaginei que estariam aquela altura da minha vida. Ao contrário, me sentia completamente estagnada, sem perspectivas ou motivação. Estava casada a dez anos, era uma dona de casa comum, com dois filhos maravilhosos, um deles pré adolescente, e um marido perfeito e absolutamente acomodado. 

Oque culminou em um relacionamento morno, onde a rotina prevaleceu e se  tornou tedioso estar juntos.

E

mbora não pareça muito, era esse o meu dilema ao me dar conta de que faria trinta anos em poucas semanas!

A maior parte de minha família e  das amigas, consideravam meu marido o "homem perfeito". Sempre me mimando e me tratando de forma carinhosa e atenciosa, bom pai, embora por vezes ausente devido ao trabalho, poucos vícios e de personalidade afável. Oque mais eu deveria querer?
Mas até mesmo a perfeição tende a se tornar monótona se não for acompanhada de algo mais... passional? Intenso? Quente?

Talvez fosse esse o problema, faltava paixão e fogo na personalidade calma do Sergio. Faltava em minha vida algo que realmente me fizesse sentir viva!
Até mesmo a faculdade que eu começara na adolescência ficará para depois, devido a uma gravidez não planejada, mas não acidental, pois inconscientemente, desejei ficar grávida e por isso não tomei precauções. Embora o namoro na época tenha sido um fiasco, jamais me arrependi, mas risquei o imbecil de nossas vidas após uma breve tentativa de oficializar a união.

Depois de passado o choque inicial, meus pais me apoiaram em tudo, até que pude me cuidar sozinha, ou melhor com meu filho, na época com dois anos. Trabalhei, fiz alguns cursos e me saí bem. Em uma das várias tentativas de me arrumar um marido, empreitada essa, travada por minhas melhores e mais queridas amigas, acabei conhecendo Sergio. Nos encantamos um com o outro e um ano depois nos casamos e um ano depois tivemos nosso segundo filho, já que Mateus na época com 4 anos foi adotado legalmente por Sérgio, a quem chamou de pai desde o início, davam-se maravilhosamente bem. Com a chegada de Pedro o instinto paternal só se intensificou e os três formavam um time muito unido, as vezes me deixando de fora. Oque não era um problema para mim, não realmente. A felicidade deles, me faz feliz.

Mateus ou Mat, como o chamamos,  sempre foi doce e prestativo me ajudou muito com o irmão menor. Agora está na complicada fase da adolescência, sem saber direito como agir, por vezes ainda uma criança e em outras um jovem adulto marrento e sabichão. Pedro, de nove, anos diz que o irmão age como um velho de trinta anos, taciturno e implicante, ao invés dos quase quatorze que tem. Sempre que diz isso eu implico com ele dizendo que me acha velha e implicante, Pedro fica vermelho e gagueja tentando se explicar, oque é motivo de risos.

Como veem minha vida seria perfeita se eu não me sentisse tão desatualizada e ultrapassada em comparação a outras mulheres, que seguiram suas carreiras e seus objetivos. Mesmo fazendo academia três vezes na semana, levando os meninos na escola, jiu jitsu, natação e inglês... não preenchia minha vida e minha mente ociosa. Embora o meu sonho sempre tenha sido o de ter a minha família, meu lar e minhas coisas , do meu jeito, sentia que faltava algo.  Porque me sentia tão vazia?

Meu marido, Sergio Medeiros, é um sommelier muito requisitado e experiente, em um renomado bistrô  num dos bairros mais caros de São Paulo. Os horários são puxados pois quem comanda são os clientes, como costuma dizer, há também as viagens para conhecer vinhas e produtores de vinho, muitas delas para o exterior, e os cursos de aperfeiçoamento. Algumas vezes sai em busca de novos produtos para o restaurante. Eu o acompanhava em algumas dessas viagens no começo do nosso casamento, mas com duas crianças pequenas, decidimos que eu deveria ficar em casa. Logo percebi o quanto desejava voltar a estudar e trabalhar em algo que me empolgasse  tanto quanto esses cursos e viagens empolgam a ele, mas sempre deixei pra depois.

Embora Sérgio trabalhe no centro de São Paulo, decidimos morar em um bairro um pouco mais afastado de toda a agitação da metrópole. Um bairro calmo e com todas as facilidades para criar nossos filhos, onde pudessem brincar e fazer amizades com as crianças da vizinhança e com ótimas escolas. Nossa escolha foi a ideal na época. Mas não contamos com a promoção de Sérgio, que passou a trabalhar em turnos duplos, ao invés do horário comercial de antes. Com apenas uma folga no meio da semana, a distancia se tornou desgastante, o'que tornou impraticável sair a noite ou viajar com a família nos finais de semana como de hábito. Até mesmo o relacionamento com os filhos ficou mais complicado, já que no meio da semana tinham aula e outras atividades e a noite Sergio queria apenas descansar pois acordaria cedo no dia seguinte. Dia após dia, com Sérgio chegando cada vez mais tarde, geralmente entre duas e três da manhã e saindo de casa às oito, a única coisa que fazíamos juntos era dormir!

Quase não vejo meu marido e quando vejo acabamos brigando, por um motivo ou outro, sempre pequenas coisas não resolvidas, empurradas pra debaixo do tapete. Pra mim Sergio se tornou distante e frio e segundo ele me tornei carente e exigente demais!

Como fazer com que ele entenda que aos trinta anos, sem uma carreira ou um emprego e sem perspectiva de qualquer mudança, minha descontração e leveza cairam a zero? Porque é tão dificil entender que minhas cobranças por atenção e por sua presença, são legítimas, sem ficar irritado comigo a maior parte do tempo? E  como posso não me sentir frustrada e magoada com a falta de compreensão dele e evitar que as brigas comecem, sempre do mesmo modo.

_ Não entendo você Emily. _diz ele _ Eu trabalho o tempo todo, faço isso por você e por nossos filhos, e você só reclama!

_ Eu reclamo apenas porque quero a sua presença! É pedir muito?

_ Falando dessa forma parece que estou na rua me divertindo! Eu trabalho droga!

_E eu sou uma completa inútil!

_ Não disse isso Emi... você sabe que essa casa não funciona sem você! Mas você tem mais tempo livre.

_Sim Sérgio, eu tenho tempo... sozinha. E aí é que está o problema!

_ Não existe problema Emily. Trabalho mais e recebo mais por isso... assim posso dar o melhor a vocês.

_ Dinheiro não é tudo Sergio. Espero que no futuro seu dinheiro te faça companhia, porque eu estou cansada de viver sozinha a sua espera.

_ Outra ameaça boba querida?

_ Não. Estou apenas te avisando que nosso casamento está por um fio. Só você não vê.

_ Você não existe Emili! Deve ser a única mulher no mundo, que ameaça se divorciar porque o marido trabalha para te dar uma vida de princesa! _ ironiza

_ Mesmo o melhor castelo pode se tornar uma prisão. _ suspirei irritada _ Antes você trabalhava menos e nunca nos faltou nada.

_ Você se satisfaz com pouco Emi.

_ É aí que você se engana meu caro.

Meu tom categórico pôs fim à discussão e eu me afastei irritada, enquanto ele agia como se nada houvesse sido dito. A noite em nossa cama, Sérgio me tomava nos braços com uma ferocidade incomum e fazíamos amor apaixonadamente. Assim, eu sempre  volto a me iludir que tudo vai melhorar e voltaremos a ser como antes, ele volta a sua rotina tranquilo e convencido de que não temos nenhum problema.

O tempo passa e nada muda.

Um Novo AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora