Devastação

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Carla me levou para sua casa e consegui falar com os meninos, para acalmá-los. Inventei que caí da escada e me feri bastante, mas sem gravidade. Assim logo poderia voltar para casa sem assustá-los. Mas para isso precisaria ter certeza de que Sérgio saíra de lá e não voltaria.

Mais uma vez Carla tomou a frente em minha defesa e ligou para ele, depois de uma longa discussão onde o chamou de todos os palavrões existentes e alguns inventados no calor do momento, exigiu que retirasse suas coisas da casa e sumisse da minha vida, sob ameaça de denúncia. Como o covarde que mostrou ser, acatou sem reclamar afirmando que sairia de casa no dia seguinte. Ao me ver chorando novamente depois de me falar sobre a conversa com Sérgio, ela me contou sobre o'que Pablo fizera com ele. Fiquei assustada e um pouco apreensiva com as possíveis consequências, já que Sérgio era orgulhoso e não gosta de levar desafora para casa.

As meninas correram para casa de Carla assim que souberam da minha alta, e ficaram indignadas com o que me aconteceu. Tania parecia que ia explodir de raiva e apesar dos meus protestos, jurou que ia matá-lo na primeira oportunidade. Tess e Ana me deram todo apoio, mas se zangaram por eu não ter feito a denúncia. Ficaram surpresas ao saber sobre Pablo, mas notando me frágil, preferiram deixar os detalhes para outra ocasião. A melhor opção seria voltar para casa e entrar com o pedido de divórcio imediatamente.

Claro que era patético usar a desculpa do acidente doméstico, mas não havia chance de dizer a verdade aos meninos. Por isso quando voltei no dia seguinte mantive a mesma desculpa. Não seria eu a denegrir a imagem do pai frente a eles.

_ Espero que ele tenha a mesma consideração. _ disse Carla

_ Não acho que ele ousaria me difamar para os filhos. Mas se o fizer estarei pronta para me defender.

Carla decidiu ficar uns dias comigo. Não tive notícias dele, soube apenas que ficaria na casa dos pais. A semana passou e Carla voltou para casa me deixando com os meninos, recomendando que ligassem para ela caso acontecesse qualquer coisa.

_Mãe o pai não vai voltar para casa?

_ Não Mateus. Nós decidimos nos separar.

_ Mas mãe porque quer separar do pai? Ele precisa da gente!

_ Pedro... seu pai e eu não nos amamos mais. Vocês tem visto as nossas brigas constantes. Por isso o melhor é cada um seguir seu caminho.

_Mas e quanto a nós mãe? O pai não quer mais a gente?

_Claro que quer meu amor! Seu pai ama vocês. Nunca irá deixar de ser o seu pai.

Após quase um mês de silêncio Sergio finalmente deu sinal de vida.

_Oque você quer Sergio? _ indaguei ao telefone

_ Precisamos conversar Emili.

_ Não tenho nada a te falar, exceto que já dei entrada nos papéis do divórcio. Tudo oque tiver de falar será através da minha advogada. Aconselho você a fazer o mesmo.

_ Você não vai arrastar meu nome na lama! Não vou permitir. _ gritou

_ Só quero o divórcio.

_ Vou tirar tudo de você! Tudo! Inclusive meus filhos!

_ São "nossos" filhos e você não vai tirá-los de mim. Quanto a todo resto você pode enfiar onde bem quiser e ir para o inferno!

Ouvi alguns impropérios e desliguei, não voltei a atender ao toque insistente e sem alternativa ele desistiu. Mas alguns dias depois me procurou pessoalmente, os meninos estavam na escola e ele me encontrou sozinha.

Engraçado como as coisas mudam na vida da gente, fui casada com aquele homem por tantos anos e ele na verdade era um completo estranho. Já senti muitas coisas por ele, amor, carinho, gratidão e até indiferença. Mas ao vê-lo ali de pé a minha frente tudo o'que eu senti foi aversão e nojo.
Minha advogada me instruiu a não ficar sozinha com ele e caso fosse inevitável deveria acionar a polícia ou avisar alguém se me sentisse ameaçada. Mas eu não senti medo, a raiva que eu sentia me deixou preparada para me defender, um de nós não sairia vivo dali caso ele tentasse algo. Embora fumegando de raiva ele se manteve distante, talvez por notar a tesoura em minha mão. Discutimos por um longo tempo, nos acusamos mutuamente e eu admiti meus erros embora ele não o fizesse.

Sérgio pediu a guarda dos filhos alegando que eu não teria meios de sustentá-los e pôs em dúvida minha moral. Embora tivesse razão sobre a questão financeira, o fato de tentar manchar minha reputação foi um erro. Eu possuía provas de sua agressão e também testemunhas. Mesmo assim fiquei um pouco desequilibrada com a atitude mesquinha dele. Um juiz machista poderia dar ouvidos às acusações dele e me tirar a guarda dos meninos. Pensar nisso foi como uma faca cravada no meu coração e fiquei desesperada.

_ Como ele pode fazer uma coisa dessas?

_ Não sei Mili. Ele é o maior filho da puta da história!

_ Fique calma amiga, ele jamais vai conseguir tirá-los de você.

_ Espero que não Tess. _ solucei _ Não posso perder meus filhos... não posso!

_ Pare com isso já! -ordenou Tess _ Você é uma ótima mãe. Juiz nenhum iria tirar os filhos de uma mãe tão dedicada.

_Ela tem razão Mili. Sua advogada já te disse que Sérgio tem obrigação de ajudar você até que esteja estabilizada.

_ Você sempre cuidou de casa Emili, não trabalhou fora porque seu ex não quis. Logo cabe a ele sustentar os filhos e você, enquanto procura um trabalho.

_Sim foi exatamente oque ela disse. Mas é difícil não me preocupar.

Todas tentavam me animar e acalmar, mas minha preocupação só diminuiria depois que o juiz batesse o martelo. Sérgio Também era um bom pai, ao menos nesse quesito não mudou, seu problema havia sido comigo e não queria envolver os meninos nisso, tampouco usar isso para prejudicá-lo perante o juiz. Mas faria o'que fosse necessário pra não perder a guarda deles. Minha advogada insistira para que eu fizesse a denúncia contra ele, para expor seu lado violento, mas mesmo não tendo uma queixa formal, os registros médicos do meu atendimento de emergência e as testemunhas seriam suficientes para fazer isso agora.

Mas quem seria mais afetados com toda essa sujeira seriam Mateus e Pedro e me recusava a sujeitá-los a isso. Também seria necessário o depoimento do médico que me atendeu, algo que preferia evitar. Mesmo não sabendo sobre meu envolvimento com Pablo, Sergio poderia tentar prejudicá-lo por conta da agressão, houveram inúmeras testemunhas do ato impensado dele. E por esse motivo preferi mante-lo a distância. Sergio ainda não tomara nenhuma atitude quanto a agressão, provavelmente por medo de ser acusado de estupro, embora na cabeça dele, oque aconteceu tenga sido algo normal entre um casal e se eu não tivesse sido bem orientada e acolhida, poderia considerar dessa forma também.

Sabendo que depois de tudo que aconteceu e devido ao processo em andamento, haveria sempre alguém de olho em meus passos, decidi nos manter Pablo afastado. Não nos falamos por várias semanas, o processo de homologação ainda levaria meses para ser concluído, e o divórcio de fato só um ano depois disso. Precisava manter as aparências por mais alguns meses e depois que essa parte do processo fosse concluída, não teria como o advogado de Sérgio usar um novo romance para me prejudicar. O importante era que não tinham provas contra mim e deveria permanecer assim, pelo meu bem e dos meninos. Com todo o ódio de Sergio a envenena-lo, se ganhasse a guarda dos meus filhos, iria fazer o impossível para afasta-los e joga-los contra mim.

PS: Violência contra a mulher é crime, denuncie.

Embora nessa história Emili tenha optado pelo caminho "mais fácil" e omitido a agressão sofrida, no intuito de proteger os filhos, isso serve apenas para proteger homens agressores como Sérgio e pinta-los como melhores do que são de fato, para a sociedade machista, onde as mulheres são responsabilizadas por serem agredidas. Indiferente dos problemas do casal, a violência seja de que tipo for, nunca é o caminho!

E se você mulher sofre ou sofreu qualquer tipo de agressão, saiba que você não é a culpada! VOCÊ É A VÍTIMA!

Ligue 180 e denuncie, proteja-se.

Um Novo AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora