“Lembre-se,” disse Willem, “de sempre manter três pontos de contanto com a árvore, e o seu peso sempre firme sobre uma das cordas.”
“Mais alguma coisa, professor?” Perguntou Vazs, enquanto terminava de atar o último nó sobre o peito.
“Tente não cair e… boa sorte.”
Vazs assentiu, deu mais uma olhada para os companheiros – que fizeram gestos encorajadores, e começou a escalar a árvore.
O progresso do arqueiro foi tão lento quanto de Willem e levou cerca de um quarto de hora para Vazs alcançar o lugar de onde ele tinha parado quando sentiu o braço ferido. Mas o arqueiro escalava com determinação, pois a árvore tinha mais de 80 metros de altura, e só restavam três horas de luz para ele que pudesse descobrir as direções e tentasse arrancar um vislumbre da paisagem ao redor em busca de uma saída daquela mata fechada e sombria.
Uma brisa suave e gelada soprava contra o rosto de Willem e fazia os ouvidos zunirem, mas naquele dia ela não trazia o cheiro de mofo que dominava a escuridão, e sim um aroma silvestre e revigorante. Os pássaros continuavam a cantar e assobiar do alto das copas, e Vazs continuava a mudar o peso de uma corda para a outra enquanto ganhava altura no tronco rugoso. Depois do que pareceu ser uma eternidade, o arqueiro chegou aonde os primeiros galhos começavam. Seguro sobre os robustos galhos da árvore, o arqueiro soltou a cordas, de modo a passa-las pelos galhos, arremessou uma delas sobre onde a próxima fileira que começava cerca de cinco metros acima dele, e continuou a subir.
“Consegue ver alguma coisa?” Perguntou Gunther aos berros quando Vazs já estava a uns 50 metros do chão e quase sumindo de vista.
“Está um dia lindo lá fora. Mas ainda não consigo ver nada além do Sol, vou apontar pra vocês.”
Vazs já havia abandonado as cordas, pois os galhos já eram próximos o bastante para subir e descer sem auxílio, e desceu alguns metros do ponto onde de estava para se fazer visível aos companheiros. O vento soprava com maior intensidade e o zunido no ouvido de Willem começava a se tornar irritante. O arqueiro o chamou das alturas.
“Willem, você está no lugar certo, erga o braço esquerdo se puder.”
Passado mais de uma hora desde que Willem havia descido da árvore, seu braço não doía mais e ele ergueu sem problemas.
“Gire um pouco para esquerda. Isso. Não, agora foi demais, volte um pouco… Perfeito, pra onde teu braço esquerdo aponta é o oeste, faça uma seta apontando para lá. Eu vou tentar chegar na copa pra ver se acho uma saída.”
Willem marcou uma seta no chão de terra com sua faca, apontando para oeste, e em seguida fez mais três setas apontando para as outras direções. Quando tornou a olhar para cima, Vazs tinha sumido de vista.
“Pelo menos sabemos para onde ir.” Disse Gunther, olhando para as setas.
“Sabemos?” Perguntou Mazzo.
“Mas é claro! Vamos continuar indo para o Sul, aposto que não estamos muito longe de Soahill ou quem sabe até dos Pampas.”
“Eu iria até para o oeste nesse momento se isso significasse sair dessa escuridão.” Disse Willem. “Espero que Vazs encontre uma saída. Vocês tão ouvindo isso?”
“Ouvindo o quê?” Perguntou Gunther.
“Esse zumbido chato que vem com o vento.”
“Agora que você mencionou,” disse Mazzo, “tá me incomodando também.”
“Não ouço nada.” Disse Gunther.
Interromperam a conversa, pois Vazs chamou das alturas.
“Achei!” Gritou ele. “Achei uma saída!”
“Pra que lado?!” Gritou Gunther em resposta.
“Tem uma formação rochosa a sudeste alguns quilômetros daqui, depois o que parece ser uma clareira. Vou descer.”
“Pode descer com calma que ainda tem uma hora de luz pela frente. Nós vamos montar acampamento aqui em baixo.” Respondeu Gunther, e em seguida olhou para Willem e Mazzo.
“Vamos catar lenha.”
Willem assentiu e começou a rondar a árvore de onde Vazs fazia sua lenta descida, na procura de galhos caídos que tinha visto durante o dia. O fim de tarde estava trazendo o frio, costumeiro daquele lugar escuro, o vento soprava incessante sobre as orelhas e o zunido continuava lá. Willem tentou coçar os ouvidos, ignorar, mas o ruído irritante estava cada vez mais forte.
E, subitamente cessou, apesar do vento continuar. Willem respirou aliviado pela paz em seus ouvidos. Mas então novamente o som se fez presente, tão intenso que o deixou tonto, e um arrepio percorreu sua espinha. Puta que pariu, não! Pensou Willem, soltando os galhos que havia recolhido de volta ao chão, e voltou correndo até a árvore onde o arqueiro descia para berrar a plenos pulmões.
“VAZS, DESCE DAÍ!” Havia desespero em sua voz. “ANDA LOGO, CARALHO, DESCE!”
O arqueiro estava amarrando uma das cordas na cintura para descer os últimos 50 metros que o separavam do chão, e não parou de atá-las enquanto gritava em resposta.
“O que foi?!”
“Tem alguém vindo. E está perto!”
“Tô descendo.”
Gunther e Mazzo chegaram correndo até a árvore.
“O que foi?” Perguntou Gunther. “Quem está vindo?”
“Armem-se, alguém está vindo.” Disse Willem, assustado. “Não sei quem é, mas eu consigo ouv-”.
Eu consigo ouvi-los. Ele ia dizer, mas então todos puderam ouvir. Um silvo hipnotizante e grave com um toque estridente.
O vento gelado parou, e os pássaros interromperam seu canto.
Era uma trombeta.
* * *
O som da trombeta se repetiu, vindo do norte, e a apreensão era visível no rosto de todos.
Vazs, amarrado em um galho ainda muito distante do chão, preocupava-se em descer enquanto o resto do bando rondava a árvore em que o companheiro estava, esperando para enfrentar quem quer que estivesse vindo. Gunther olhava atentamente para as alturas das árvores ao redor, com seu poderoso arco em mãos, na busca de alguém que se apresentasse para tomar uma flechada. Mazzo patrulhava os arredores de espada em mãos, dedicando toda a sua atenção na direção de onde vinham os silvos da trombeta.
Mas Willem tremia incontrolavelmente.
Havia alguma particularidade no som que Willem não saberia diferenciar, mas que estava lá. E aquele som grave o arrepiava de cima a baixo, levando ondas de medo e tremores involuntários por todo seu corpo. O que lhe causava tanto medo? Não era a trombeta de guerra. Não era o medo do desconhecido portador da trompa. Nem as criaturas que de olhos roxos que poderiam vir com ele. Não, o que aterrorizava Willem era o fato de já saber o que vinha por ele e não ter a menor idéia do que fazer. Os dois últimos meses haviam sido batalhas constantes contra a fome, e até contra criaturas das sombras. Mas nem as diversas situações inusitadas o haviam preparado para o chamado que sentia dentro de si. Pois Willem sabia que, fosse amigo ou inimigo, o portador da trompa trazia consigo o chamado do destino. E não se pode fugir do destino, pois senão ele te caça até os confins da terra e lhe tira o que é mais precioso. E essa perspectiva, junto com o ruido irritante em sua mente, o horrorizava.
A trombeta tocou mais uma vez, mas Willem só a notou porque Gunther pousou a mão ossuda em seu ombro, tirando-o do transe e apontando para frente.
“Estão chegando.”
Então Willem viu.
A menos de cem metros de si, no alto das árvores, uma figura pálida e encapuzada surgiu de repente. Trazia consigo um arco recurvo nas mãos e uma lâmina crescente nas costas.
Willem viu a flecha deslocando-se no ar como um risco metálico. Vazs gritou do alto das árvores e despencou. Galhos quebraram, o som de madeira se partindo seguiu-se pelo retesar da corda que o manteve pendurado no ar. O ser pálido baixou o capuz e mostrou a face.
E pela primeira vez em mais de mil anos, homens do leste puderam ver um Filho-da-Lua.
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Na Escuridão da Floresta
FantasyA vida de um grupo de ladrões sofre uma reviravolta quando uma emboscada da errado e eles são forçados a se embrenhar no misterioso Coração Verde, a maior floresta do mundo conhecido, onde segredos antigos aguardam para ser descobertos.