Somente quando o sol surgiu no horizonte e extinguiu a escuridão que o transe silencioso que mantinha todos imóveis se dissipou. Willem foi o primeiro a se mover, olhando do alto da torre às cercanias do vilarejo para ter certeza de que o pesadelo tinha realmente acabado.
Para ele, a experiência tinha sido tão sinistra que ainda tentava se convencer – sem muito sucesso – que tinha sido mais um sonho estranho. Reunindo um pouco de saliva em sua boca extremamente seca, conseguiu balbuciar uma única frase.
“Vamos embora daqui.”
Como se fosse um sino, suas palavras despertaram os companheiros de seu silêncio perplexo, atraindo-os de volta ao presente, ao momento que estavam vivendo agora. O momento que precisavam agir.
“Eu também não quero passar mais um dia sequer nesse lugar.” Disse Vazs. “Vamos antes que mais daquelas coisas venham. Ainda pensando em ir para oeste, Willem?”
As criaturas tinham vindo do oeste.
“Nem fudendo.”
Willem, na verdade, estava receoso com a estrada que ia para sudeste. Havia algo na trilha que despertava nele uma sensação de que não era um bom caminho a se seguir. Porém ir para oeste era suicídio. E a única opção que sobrava, voltar de onde vieram, era simplesmente burrice.
“Foi o quê pensei.” Disse Vazs. “Reúnam suas coisas e peguem o máximo de suprimentos que conseguirem. Vamos embora desse lugar maldito.”
* * *
Willem foi primeiro a juntar seus pertences, que não eram muitos, pois além de uma bolsa de couro estufada de ouro e jóias, em sua mochila sobravam apenas algumas roupas furadas e utensílios de sobrevivência como uma pedra de amolar e uma pederneira. Também levava sua adaga curva e suas três facas. Duas, lembrou-se subitamente, a outra deve estar ao redor da torre. Embora a criatura na qual Willem gastou uma de suas facas tivesse caído por mais de quarenta metros, e das muitas outras alvejadas pelos arqueiros, não havia nenhum corpo no vilarejo – exceto o cavalo de Gunther.
Ele resolveu procurar por sua faca, afinal sempre tivera três facas em seu cinto. Sentia-se confortável assim. E também não se daria ao luxo, ainda mais depois da última noite, de perder uma arma que não poderia repor tão cedo, talvez nunca. Dentro do salão os companheiros embalavam a carne salgada em pedaços de tecido para ser levada, pegavam sal, erva-de-fumo, ferviam e purificavam água para matar os maus espíritos que podiam lá viver e causar doenças. Apesar de terem matado o cavalo, revirado o salão por dentro e destruírem os barris de aguardente, as criaturas não haviam chegado perto da carne de cervo salgada ou dos barris de sal.
Willem agora rodeava a torre, procurando por sua faca. A busca não estava rendendo-lhe nenhum resultado, e ele estava prestes a desistir quando notou, em meio a grama, um reflexo escuro e estranho. Foi em sua direção, esperando por talvez ver sua faca manchada de sangue, mas o que achou foi um punhal negro das criaturas.
Com um tanto de receio e cuidado, Willem pegou a arma nas mãos, pela ponta oposta à lâmina, e a examinou. Suas facas de arremesso tinham lâminas pesadas em formato de folha que facilitavam no deslocamento, o cabo simples envolto em couro que terminava num anel de aço que servia para o manuseio rápido. Já o punhal tinha a lâmina em formato triangular, era feito de um metal que lembrava aço, mas não pesava como aço, e era completamente negro. O cabo era a parte mais fascinante. Era feito do mesmo material negro da lâmina, mas desde a ponta até o guarda-mão, havia lá duas figuras entalhadas. Duas serpentes. O encontro de suas caudas formava a ponta do cabo, depois as serpentes iam contorcendo-se e suas escamas uniformes iam formando o encaixe para os dedos, para terminarem com as cabeças viradas em direções opostas, formando o guarda-mão. As duas serpentes pareciam atacar, de bocas abertas com cada dente modelado e afiado, e olhos feitos de pedras negras que refletiam luz de uma maneira peculiar. Não havia o menor sinal de ferrugem e estava sinistramente afiado.
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Na Escuridão da Floresta
خيال (فانتازيا)A vida de um grupo de ladrões sofre uma reviravolta quando uma emboscada da errado e eles são forçados a se embrenhar no misterioso Coração Verde, a maior floresta do mundo conhecido, onde segredos antigos aguardam para ser descobertos.