Capítulo 10: Hora de comer

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Sérgio não tinha certeza se haviam se passado minutos, horas ou metade do dia desde que Eduarda saíra, deixando-o sozinho na prateleira com suas novas colegas inanimadas. A luz do dia ainda durava, entrando pela janela e mantendo a claridade no cômodo – mas o fato de enfraquecer a cada instante deixava o rapaz desesperado quanto a em breve ficar na completa escuridão com aquelas figures, situação na qual evitava até pensar...

Súbito, a porta do quarto foi aberta novamente, seu arrastar pelo chão causando estrondo que lhe deixou o coração aos pulos. Não só a voz de Eduarda, mas qualquer ruído antes comum vinha se tornando barulho de latejar seus ouvidos: quando o som já era mais grave, então, a propagação chegava a estremecê-lo. Naquele ritmo, logo não seria apenas um homem encolhido, mas surdo.

Era mesmo a namorada, retornando com um prato numa das mãos, contendo um sanduíche de presunto e muçarela feito com pão francês, e uma garrafinha de Coca-Cola 600ml embaixo do outro braço. Depois de ligar a lâmpada no teto acionando o interruptor junto à entrada, fez uma curva pouco antes da cama e, puxando uma cadeira de rodinhas, sentou-se diante da escrivaninha onde ficava seu notebook, ligando-o num clique enquanto depositava a comida sobre o móvel. Estava de lado para Sérgio, não propriamente de frente – mas ainda era melhor que de costas; e o namorado esperava encerrar o joguinho no qual ela fingia ignorá-lo chamando-lhe a atenção. Encontrava-se dentro do campo de seu olhar e Duda não poderia continuar com aquilo para sempre, afinal de contas!

O computador terminou a inicialização e Eduarda abriu uma planilha no Excel, começando a digitar dados e formatar colunas sem sequer erguer o rosto da tela. Abriu a garrafa de refrigerante, o som de despressurização causado pelo gás ampliado duas ou três vezes à audição de Sérgio, e a ergueu para uma golada no bico.

Tentando escolher muito bem as palavras, e procurando imaginar como a namorada rebateria cada uma delas, o nerd travou contato:

– Trouxe trabalho para casa?

Por cinco segundos, Eduarda sinalizou que continuaria ignorando-o, mas por fim bufou, despreguiçando-se sobre a cadeira num misto de cansaço e raiva, para retrucar, sem virar-se:

Pois é! Não basta eu trabalhar dois períodos, e ainda resta serviço para dar conta aqui. Mas você não deve se importar... Acha que mesmo assim não posso gastar meu dinheiro como eu quiser. Pelo menos consigo sustentar nossas duas bocas... No seu caso, ao menos agora é uma boquinha bem menor, não é?

Como se atiçado pela constatação da giganta, o estômago de Sérgio roncou de fome; até mesmo as contrações soando mais finas, e altas, devido a seu menor tamanho. Duda com certeza ouviu, pois não conteve um sorriso deliciado. Ao rapaz, coube levantar as mãos e, em súplica, pedir, encarando o lanche ainda intocado na escrivaninha:

– Por favor, me dê alguma coisa para comer! Estou faminto!

De fato, o que havia dentro de Sérgio fora expelido ao ser içado pelos dedos de Eduarda mais cedo aquela tarde, e agora sentia as entranhas completamente vazias. A namorada voltou-se de novo ao PC, deixando a dúvida se atenderia ou não o pedido... quando, suspirando incomodada, deslizou na cadeira para longe da escrivaninha e disse, ficando de pé:

Só porque tenho mais esforço reservado para você...

Ela estendeu a mão à frente da estante, deixando Sérgio seguro o bastante para embarcar. De cócoras no centro da palma, foi transportado até a escrivaninha, para onde saltou.

Desceu bem ao lado do prato com o sanduíche.

Memórias da infância o invadiram, deixando a situação um tanto cômica – e por que não, mais leve. Era no seriado "Chaves" que o personagem certa vez sonhara que o Seu Barriga era um sanduíche de presunto gigante? Ou ganhara as infames "pílulas de nanicolina" do Chapolin, encolhendo para que os biscoitos ficassem enormes e matassem sua fome? De todo modo, Sérgio realizava uma fantasia de criança, sentindo a boca salivar, ao deparar-se com um lanche maior que si...

Meu Amor na EstanteOnde histórias criam vida. Descubra agora