Capítulo 4: Quem é dono de quem?

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Largado no sofá da sala, Sérgio assistia ao Episódio VIII da saga Star Wars pela nona ou décima vez. Apesar de ser o tipo de fã que vivia criticando o filme devido à representatividade feminina, principalmente das personagens Rey e Rose, vivia reassistindo-o em DVD. Trabalhar como designer gráfico em casa ajudava-o a ter tempo para suas nerdices, ao contrário de Eduarda, que passava o dia todo fora.

Em certo ponto do filme – a parte dos cassinos em Canto Bight, mais precisamente, que o rapaz considerava a mais chata – apanhou o celular e começou a alternar-se entre suas conversas do WhatsApp. Abriu uma em que costumava trocar "shitpost" nerd e outras besteiras com seu amigo Daniel, notando que ela possuía mais de vinte notificações. Ao verificá-las, descobriu serem todas fotos de cosplayers sensuais, vestindo versões provocantes dos trajes de personagens como Chun Li ou Supergirl.

"Assim dá vontade de pagar o ingresso caro para ir a esses eventos..." – Daniel digitou pelo aplicativo.

Mordendo a língua entre os dentes, Sérgio enviou, divertido, sua resposta:

"Meu sonho é chover dessas cosplayers na minha horta... Enrabar uma delas no meio de um evento desses, hem?".

Daniel mandou uma série de risadas e smiles como reação, enquanto Sérgio abaixava o celular ao seu lado e procurava voltar a se concentrar no filme. Queria muito que Eduarda fizesse cosplay – ela era linda e tinha, sim, um belo corpo para isso, segundo seus próprios padrões – mas não parecia muito disposta a investir na roupa ou acessórios. As figures, sempre as figures! O nerd continuou resmungando mentalmente por algum tempo, até que, sem nem mais dar conta de em qual cena o filme estava exatamente, ouviu a porta do apartamento se abrir.

A namorada entrou com ele ignorando-a, rosto voltado à TV. Esperava que ela passasse pela sala sem perturbá-lo, talvez só lhe dando um "Oi!" ou notificando-o com um "Cheguei!"... Porém lá estava ela tampando sua visão da tela, braços cruzados – só faltando chamas de Ki iluminarem-se ao longo de seu corpo, a sombra do cômodo semiescuro projetada sobre si aumentando-lhe o aspecto sinistro.

– Eu queria acreditar que sou apenas esquecida... – Eduarda começou em voz baixa. – Uma desmiolada pelo trabalho e correria, deixando as coisas onde depois não lembraria de procurá-las. Mas isso não acontece com o que envolve dinheiro. Ao contrário do que pensa, sou muito cuidadosa com meus ganhos, assim como os meios de gastá-los. Revirei minha carteira, minha bolsa. Passei vexame em público, até. Então só vou perguntar uma vez... – o tom da garota já estava alto e ameaçador o suficiente, sua silhueta aproximando-se ainda mais de Sérgio, o qual permanecia no sofá de pernas abertas. – Onde está meu cartão?

– E por que eu saberia disso?

O pé esquerdo de Eduarda, calçando sapatilha, subiu rumo ao saco escrotal do namorado. Desguarnecido, e a bermuda que vestia mal valia qualquer proteção, ele foi pego em cheio, a sola comprimindo suas bolas contra a pélvis em dolorosa prensa. Soltou um uivo de dor, cobrindo a região com ambas as mãos tão logo a parceira recuou o pé, porém mantendo-o erguido, assim como a perna, numa pose remetendo a artes marciais.

Os olhos do rapaz lacrimejavam, seu saco latejando tal qual houvesse sido atingido por uma tijolada... mas maior ainda era seu desespero ao notar que o pênis iniciava uma ereção, surpreendentemente excitado com o golpe do pé da amada contra sua região mais íntima.

Que hora para ela descobrir que tenho tara por isso, hem?

– Dê logo meu cartão de crédito, ou o próximo chute vai arrancar suas bolas fora! – Eduarda insistiu.

– Duda, alguém precisa controlar seus gastos... – ele tentou argumentar, os dedos agora se esforçando mais em rebaixar o pinto ereto do que massagear o saco ferido.

Ah, é? E esse alguém seria você? Nem fodendo! – ela socou um dos braços do sofá. – Já falei: se o dinheiro é meu, eu gasto como quiser! Macho nenhum tem direito de se apoderar do que é meu, nem controlar o que faço ou não com isso!

– Essas ideias feministas...

– Mas vá pra puta que pariu, Serginho! Fica consumindo produtos nerds o dia inteiro, e não assimila um pingo de mensagem a não ser lutinhas de espada ou batalhas de naves! Sou mulher, e tenho direito a gerenciar meus ganhos como bem entender. Eu não teria direito, do mesmo modo, a controlar os seus. Isso se chama confiança, Serginho! Sem ela, um relacionamento não dura. E ainda por cima quer tanto casar...

– Fica dando ouvidos às suas amigas feministas encalhadas, por isso gasta com bonequinhos para ter pretexto a adiar o casamento o quanto quiser!

Sérgio achou que Eduarda partiria em definitivo para cima dele, mas ela se deteve na metade do caminho, os olhos marejados... os punhos fechados abrindo-se com os dedos trêmulos. Uma lágrima escorreu por sua bochecha direita, indo se perder nas tábuas do chão.

– Quer ficar com o cartão? Fique! – ela falou tendo a voz embargada, quase se engasgando num soluço. – Vou para a casa da minha irmã. Não sei quando volto! Tenho muitos problemas de convivência com ela, mas ela ao menos não poda minha liberdade! Você não é dono das minhas coisas. E também não é dono de mim!

O coração do namorado acelerou, fazendo-o estender, debilmente, uma mão na direção de Eduarda:

– Duda, não!

Sem nem mesmo rumar ao quarto para apanhar roupas ou pertences, a garota apenas deu meia volta... e saiu pela porta da sala, batendo-a forte atrás de si.

Meu Amor na EstanteOnde histórias criam vida. Descubra agora